domingo, 5 de julho de 2009

EXTINÇÃO DE CONTRATOS POR ONEROSIDADE EXCESSIVA: Uma possibilidade de resposta às partes e uma delimitação de poderes ao juiz?

SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO; 2. EXTINÇÃO DE CONTRATOS; 3. DEFININDO A TEORIA DA IMPREVISÃO ENTRE OUTRAS COISAS; 4. RESOLUÇÃO POR ONEROSIDADE EXCESSIVA; 5. INTEGRAÇÃO DE CONTRATOS; 6. CONCLUSÃO; 7. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA.

I. Introdução.

O tema proposto para este artigo, vem despertar nosso interesse por produzir uma sensação teórica de esperança, uma vez que nos confronta com uma dualidade jurídica e até mesmo uma certa dialética contextual. O assunto sobre a Extinção de Contratos se mostra de per si um tanto inflexível e definitivo, até porque a extinção mesmo na vida tem uma conotação de término, de fim. É um resultado. Já a questão da onerosidade excessiva, não parece ser tão extática e sugere várias composições, que poderão produzir resultados variados. É, portanto, uma causa. Diante da causa: onerosidade excessiva podemos nos deparar com uma extinção de um contrato, uma resolução, mas não só isso. Também podemos nos deparar com um revisão ou uma integração dos contratos.

Diante disso, tomamos a liberdade de não só discorrer resumidamente sobre a extinção dos contratos propriamente dita, mas colocamos juntos os resultados provenientes desta causa única: a onerosidade excessiva, a fim de observar sucintamente estes fatos jurídicos. Além disso, nos atrevemos a analisar um pouco o efeito desta causa sobre a abrangência que nossa legislação civil conferiu ao juiz, no que diz respeito à sua liberdade de escolha ao agir, a fim de melhor conduzir as partes e dessa forma proteger e preservar o negócio jurídico.

Procuramos avançar paulatinamente nos conceitos, formas e causas de extinção de contratos, a onerosidade excessiva, a extrema vantagem que ela pode produzir, a resolução, a revisão e a integração dos contratos, e a delegação jurisdicional conferida ao magistrado que se depara diante de uma situação de onerosidade excessiva.

Assim, esperamos poder aprender, além dos conceitos teóricos do direito, que os fatos jurídicos exigem dedicação e esmero de apreciação face as suas variadas possibilidades, a exemplo de um médico que diante de um grave problema terminal pode ter esperança em outras opções, além de deixar seu indigente paciente, em nosso caso o contrato, morrer, se extinguir, sem tentar algo mais.

II. Extinção de Contratos

A maioria das coisas dinâmicas tem um começo, um meio e um fim. A extinção de um contrato é o seu fim, embora ainda possam perdurar seus efeitos. O novo Código Civil estipulou, de modo didático, quatro formas de extinção dos contratos: o distrato, a cláusula resolutiva, a exceção do contrato não cumprido e a resolução por onerosidade excessiva. Cabe ressaltar que há uma diferença entre as formas descritas no Código Civil e as causas que ocasionam a extinção dos contratos. Embora todas sejam causas, elas podem ser contemporâneas ou supervenientes, ou seja, elas podem já existir no momento da criação e celebração do contrato ou sobrevirem após a sua formação. Em sua didática própria, o Prof. Gilson Cunha, descreve entre as causas contemporâneas: o direito de arrependimento, a execução do contrato por cláusula expressa de obrigação não cumprida e, a nulidade. Entre as causas supervenientes: a resilição unilateral e bilateral, a resolução involuntária e, a voluntária por cláusula tácita.

Para o nosso tema de estudo o que nos interessa é a forma de extinção por onerosidade excessiva que faz parte das causas supervenientes de um contrato como a resolução involuntária descrita no artigo 478 do nosso atual Código Civil:

"Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação”.

Com tal redação consagrou o Código a Teoria da Imprevisão, segundo a qual, como veremos melhor a seguir, havendo fato superveniente que traga vantagem excessiva para apenas uma das partes, o contrato poderá ser rescindido, desde que tal fato seja extraordinário e de difícil ou impossível previsão. É a cláusula "rebus sic stantibus", pela qual a relação jurídica deve ser mantida enquanto perdurar a situação fática que originalmente a ensejou.

III. DEFININDO a Teoria da Imprevisão ENTRE OUTRAS COISAS.

Na língua portuguesa o adjetivo imprevisto significa: algo súbito, aquilo que não se prevê, que é inesperado. Daí o substantivo imprevisão indica a falta de previsão. Na esfera jurídica, na especialidade civil dos Contratos, o termo está contido na teoria de prática relativamente atual denominada de Teoria da Imprevisão.

De forma resumida, podemos conceituar a Teoria da Imprevisão como consistindo no reconhecimento de que a ocorrência de acontecimentos novos, imprevisíveis pelas partes que firmaram um contrato de longo termo, e, a elas não-imputáveis (os referidos acontecimentos), refletindo sobre a economia ou a execução do contrato, autorizam, como exceção, sua revisão, para ajustá-lo às circunstâncias supervenientes. Assim, a epígrafe que rege esta teoria, rebus sic stantibus, pode ser lida como "estando as coisas assim" ou "enquanto as coisas estão assim". Esta deriva da fórmula: contractus qui habent tractum sucessivum et dependentium de futuro rebus sic stantibus intelliguntur (os contratos que têm trato sucessivo ou dependência do futuro, entendem-se condicionados pela manutenção do atual estado das coisas), de Nerácio, cláusula do direito canônico. Indicando que, se as coisas de forma inesperada e imprevisível mudam, elas podem ou devem ser alteradas.

São pressupostos da Teoria da Imprevisão: primeiro, a alteração radical no ambiente objetivo existente ao tempo da formação do contrato, decorrente de circunstâncias imprevistas e imprevisíveis, é o fato superveniente; segundo, onerosidade excessiva para o devedor e não compensada por outras vantagens auferidas anteriormente, ou ainda esperável, diante dos termos do ajuste; e por último, o enriquecimento inesperado e injusto para o credor, como conseqüência direta da superveniência imprevista. São esses acontecimentos supervenientes que alteram profundamente a economicidade do contrato, de tal forma perturbando o seu equilíbrio, como inicialmente estava fixado, que torna certo que as partes jamais contratariam se pudessem ter podido antes antever esses fatos. Se, em tais circunstâncias, o contrato fosse mantido, redundaria num enriquecimento anormal, em benefício do credor, determinando um empobrecimento da mesma natureza, em relação ao devedor. Conseqüentemente, a imprevisão tende a alterar ou excluir a força obrigatória desse tipo de contrato.

Cremos que o atual maior uso da Teoria da Imprevisão se deve ao entendimento amadurecido da sociedade como um todo, representada pelo judiciário que passou a dar prioridade ao justo equilíbrio entre as partes de um negócio jurídico, ressaltando, assim, a função social do contrato, princípio conectado ao da autonomia da vontade. Também nossa Constituição Federal, em especial nos arts. 1º, 170, e 5º, XXXV, não fecha os olhos para um contrato em que impere o desequilíbrio, a ausência de boa fé e eqüidade, a vantagem exagerada de um dos contraentes e o prejuízo acentuado do outro, mesmo nas relações firmadas entre particulares que continuam a ser reguladas pelo Código Civil Brasileiro.

A revisão dos contratos despertou o mundo jurídico após a Primeira Guerra Mundial, de 1914, diante de exorbitante depreciação da moeda, que provocou um desequilíbrio nas prestações relativas aos contratos de trato sucessivo. As partes prejudicadas pediam então. A revisão dos pactos ou a sua resolução (PLANIOL, 1987. vol. IV, p. 294).

Além do art. 478 do CC, já citado, a Teoria da Imprevisão também se acha consagrada no art. 317 do Código Civil, como segue:

Art. 317: “Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quando possível, o valor real da prestação”.

Como se vê, a lei permite que o juiz, diante da desproporção entre o valor da dívida e o da execução, decorrente de fatores imprevisíveis, a devida correção, desde que requerida pela parte.

Assim, a prática da Teoria da Imprevisão vem para proteger o bem comum, o equilíbrio contratual, a igualdade entre as partes e a certeza de que o interesse particular não predominará sobre o social. Por fim, como vimos, a Teoria da Imprevisão, caracteriza-se por ser um dos instrumentos de socialização do contrato, na medida em que, por imperativo de eqüidade, permite o restabelecimento do equilíbrio negocial injustamente violado por força de um acontecimento imprevisível, em nosso caso, onerosidade excessiva, representando um avanço e não um retrocesso na ação legislativa nacional.

IV. RESOLUÇÃO POR ONEROSIDADE EXCESSIVA.

O mestre Orlando Gomes define a resolução como o remédio jurídico concedido à parte para romper o vinculo contratual mediante ação judicial, quando a outra parte procede a inexecução da obrigação. Entre nós a resolução também é chamada de rescisão contratual (GOMES, 1993. p. 199). A onerosidade excessiva da prestação é apenas obstáculo ao cumprimento da obrigação. Não se trata, portanto, de inexecução por impossibilidade, mas de extrema dificuldade. Contudo, não se pode dizer que é voluntária a inexecução por motivo de excessiva onerosidade. Mas, precisamente porque não há impossibilidade, a resolução se realiza por motivo diverso. Para a resolução de contrato é preciso, em primeiro lugar, que seja excessiva a diferença de valor do objeto da prestação entre o momento de sua perfeição e o da execução. A onerosidade há de ser objetivamente excessiva, isto é, a prestação não deve ser excessivamente onerosa apenas em relação ao devedor, mas a toda e qualquer pessoa que se encontre em sua posição. Não basta, porém, que a prestação se tenha agravado exageradamente. É preciso que a onerosidade tenha sido determinada por acontecimentos extraordinários e imprevisíveis. Somente nessa conseqüência interessa aqui examinar a onerosidade excessiva. Como já vimos, outra solução pode ser dada ao problema. Em vez de rescisão do contrato, atribui-se ao juiz o poder de intervir na economia do contrato para reajustar, em bases razoáveis as prestações recíprocas. Pode-se, ainda, favorecer o devedor com a alternativa de pedir a rescisão ou pleitear o reajustamento.

Este nosso tema diz respeito aos contratos comutativos e aos de execução continuada ou diferida, cujos efeitos se estendem, para alcançar o futuro. Não se tratando de contrato aleatório, em que as partes assumem conscientemente o risco, há de prevalecer o equilíbrio entre a prestação e a contraprestação, enquanto perdurar o vínculo. Ao emitirem o seu consentimento, as partes consideram o conjunto de circunstâncias existentes, fazendo ainda as suas previsões quanto ao futuro, mas de acordo com as projeções lógicas e razoáveis do presente. As partes se obrigam tendo em vista o quadro da realidade, que envolve o presente e suas perspectivas. Se fatos novos e imprevisíveis alteram, substancialmente, as condições do contrato, impondo ônus excessivo a uma das partes, o Código Civil nos artigos de 478 a 480, oferece ampla e variada forma de proteção à parte prejudicada, compreendendo as possibilidades de resolução dos contratos, reequacionamento das condições, espontaneamente pelas partes, redução judicial das prestações devidas ou alterações na forma de pagamento.

Pela regra do artigo 478, a parte prejudicada com a onerosidade excessiva poderá requerer judicialmente a resolução do contrato. Ficará sob a sua responsabilidade a prova da caracterização da excessiva onerosidade, a indicação dos fatores desencadeantes da desproporção entre as condições existentes no momento do contrato e à época da execução e a imprevisibilidade das mudanças ocorridas. A sentença que julgar procedente o pedido produzirá efeitos retroativos à data da citação. O réu poderá, em sua contestação, impedir a resolução, devendo para tanto, oferecer-se para o reequacionamento justo das condições do contrato, conforme deixa claro o art. 479.

Quando apenas uma das partes possuir obrigações, poderá requerer a revisão do débito, visando a sua redução ou a mudança da forma de pagamento, a fim de evitar a onerosidade excessiva. É o que diz o artigo 480, que se aplica aos contratos unilaterais.

A sentença judicial que resolve um contrato por excessiva onerosidade produz entre as partes, efeito retroativo. Em se tratando de contrato de execução única e diferida, extingue-se, voltando as partes à situação anterior, pelo que haverá restituição, tal como nos casos de resolução decorrentes das outras causas, mas se o contrato é de execução continuada ou periódica, as prestações satisfeitas não são atingidas, pois se consideram exauridas.

A onerosidade excessiva é causa de resolução que se aproxima muito mais da inexecução involuntária do que da voluntária. Como aquela, não dá lugar a perdas e danos, de modo que não fazem jus a qualquer indenização a parte que teria vantagem com a execução do contrato. O outro contratante exonerou-se de suas obrigações como se seu cumprimento se tornara impossível.

V. Integração de Contratos.

Entenda-se por integração de contratos uma regulamentação suplementar por lacuna na declaração de vontades das partes que deixaram de regulamentar inteiramente seus interesses. A lei civil atual nada dispõe e não autoriza a integração do contrato pelo juiz, mas apenas sua resolução, o que, certamente, é mais prejudicial para ambas as partes. Imagine-se, por hipótese, um contrato de compra e venda de um automóvel, a prazo, cujas prestações fossem fixadas conforme certa variação cambial. Nessa seqüência, suponha-se que a moeda americana tenha sofrido uma enorme valorização em razão de um plano do governo imprevisível e extraordinário, causando excessiva onerosidade para uma das partes e extrema vantagem para a outra. Nesse caso, a única solução a ser adotada pelo magistrado em eventual ação judicial proposta pelo devedor, seria a rescisão contratual, obrigando o devedor a devolver o bem, e o credor a restituir as parcelas pagas até o momento, abatendo-se a quantia necessária para ressarcir o tempo de uso do carro pelo devedor.

Essa não parece ser a solução mais prática, pois, e se o credor tivesse investido o dinheiro recebido até aquele momento, não tendo condições de devolvê-lo? Para essa questão o Código trouxe solução, prevista no artigo 479: "A resolução pode ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar eqüitativamente as condições do contrato."

Porém, no que tange ao devedor, tal desfecho não se aplica. Se, por exemplo, utilizasse o automóvel para trabalhar, teria grande prejuízo ao rescindir o contrato e devolver o bem, acaso o credor não concordasse com a redução das parcelas desproporcionais. Por muitas vezes, os encargos decorrentes de uma resolução contratual trazem conseqüências mais gravosas que a recomposição do equilíbrio contratual.

Embora o artigo 480 do Código Civil possibilite a redução da prestação ou alteração de sua execução, note-se que tal disposição só é válida para os contratos unilaterais, isto é, aqueles em que somente uma das partes tem obrigações, restringindo significativamente sua aplicação.

Nessas circunstâncias, há de se sublinhar que tais disposições não estão de acordo com a sistemática da nova codificação civil, que prima pela preservação do negócio jurídico e pela ampla liberdade do juiz, como se extrai, por exemplo, dos artigos 151, parágrafo único e 155 (coação); 156, parágrafo único (estado de perigo); 157, parágrafo 2º (lesão); 170 (simulação); 184 (validade do negócio jurídico); 317 (pagamento); 421 e 422 (disposições gerais sobre os contratos); 464 (contrato preliminar).

Os artigos 112 e 113 da mesma lei afirmam que os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a intenção das partes, a boa fé (leia-se a boa fé objetiva) e os usos do lugar de sua celebração, afastando-se a interpretação literal da linguagem, corroborando a tese de que é um código bem mais amplo, concedendo ao juiz livre movimentação para decidir da maneira mais justa sem afastar-se da lei. Esta a razão pela qual muitos denominam a legislação de "código do juiz".

VI. Conclusão.

Assim, esta breve exposição sobre as formas de extinção de contratos, nos dá uma conceituação clara a respeito das diferentes formas e destaca a importância da onerosidade excessiva, principalmente dentro do contexto jurídico atual.

Em seguida, percebemos que paralelamente ao desenvolvimento fático normativo, o nosso Código Civil perdeu uma oportunidade de ser ainda melhor, o que poderá ser alcançado no futuro, com respeito à questão de atribuir, além de às partes, ao juiz não só autonomia para resolver e revisar contratos, mas também produzir a sua integração em contratos em geral.

Ao deixar de atribuir ao juiz poderes de integração nos contratos em geral, tendência moderna que estava sendo trilhada ao dar poderes de resolver e revisar contratos por onerosidade excessiva, foi interrompida e fugiu também daquela orientada pelo Código de Defesa do Consumidor, o que criou diferentes pesos nos critérios.

Ademais, além de demonstrar um retrocesso ao vedar a integração do contrato pelo juiz, o Código Civil foi mais restritivo também ao exigir requisitos mais rígidos para resolver o contrato do que reclamam o Código de Defesa do Consumidor para revisá-lo ou modificar suas cláusulas. A lei de proteção ao consumidor, artigo 6o, inciso V, exige: fato superveniente, excessiva onerosidade e prestações desproporcionais (o que é conseqüência do segundo requisito). De outra banda, o novo Código Civil requer: fato extraordinário e imprevisível, prestação excessivamente onerosa e vantagem extrema para a outra parte.

Assim, percebemos pelo exposto, que não basta para o Código Civil de 2002, excessiva onerosidade, devendo haver, também, vantagem extrema para outra parte. Todavia, essa situação é inadmissível, já que a uma onerosidade excessiva nem sempre corresponde uma vantagem extrema. Exigir tais requisitos cumulativamente pressupõe igualdade econômica entre as partes, o que nem sempre é verdade. Pode ocorrer que um dos contratantes tenha menos recursos financeiros que o outro, de sorte que, sendo o devedor o menos abastado, o fato superveniente pode causar-lhe um ônus excessivo, mas não proporcionar uma vantagem extrema para o credor de mais posses.

Por fim, ainda na tentativa de demonstrar que o artigo 478 não se coaduna com a filosofia adotada pelo Código atual, deve-se atentar para o artigo 317 que se contrapõe a este. Desse modo, tem-se que nas obrigações em geral é lícito ao magistrado intervir na relação jurídica para diminuir o valor da prestação, mas não pode fazê-lo em relação a um contrato, o que seria um contra-senso, já que os contratos são espécies de obrigações.

É admissível que as disposições acerca dos contratos podem ser tidas como leis especiais, dentro do próprio Código, em relação àquelas que dispõem sobre obrigações, devendo, em tese, prevalecer tais regras especiais. Mas não se pode perder de vista que, ao analisar um código deve-se empregar todos os meios de interpretação de normas, atribuindo maior valor à interpretação sistemática, que considera o conjunto de regras em um único contexto, que ao brocardo "lex specialis derogat generalis".

Finalizamos concluindo que o artigo 478 do Código Civil de 2002 deve ser interpretado de modo amplo a fim de propiciar aos contratantes não só a resolução da avença, mas também para permitir ao juiz, acaso entenda justo e em conformidade com os princípios da eqüidade e da boa fé objetiva, a integração do contrato, seja para reduzir prestação excessivamente onerosa, seja para rever o contrato, sempre atendendo às necessidades de ambas as partes.

VII. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA.

AMATO, Juliana Silva. A onerosidade excessiva nos contratos do novo Código Civil e do Código de Defesa do Consumidor. Jus Navigandi, Teresina, a. 8, n. 294, 27 abr. 2004. Disponível em: . Acesso em: 26 mai. 2006 .

GAGLIANO, Pablo Stolze. Algumas considerações sobre a Teoria da Imprevisão. Jus Navigandi, Teresina, a.5, n.51, out.2001. Disponível em: . Acesso em: 28 mar. 2006 .

GOMES, Orlando. Contratos. 12ª ed. 6ª tiragem Rio de Janeiro, Forense. 1993. 592 p.

MARTINS, Francisco Serrano. A teoria da imprevisão e a revisão contratual no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor . Jus Navigandi, Teresina, a. 8, n. 327, 30 mai. 2004. Disponível em: . Acesso em: 28 mar. 2006

NADER, Paulo. Curso de Direito Civil. v.3: Contratos/Paulo Nader. – Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 730.

PLANIOL, Marcel, RIPERT, Georges, BOULNGER, Jean. Tratado de Derecho Civil. tradução Argentina, Buenos Aires: La Ley, 1987. tomos IV, V, VIII.

ZUNINO NETO, Nelson. Pacta sunt servanda x rebus sic stantibus: uma breve abordagem. Jus Navigandi, Teresina, a.3, n.31, mai.1999. Disponível em: . Acesso em: 28 mar. 2006 .


Texto confeccionado em Jul 1 2006 12:00AM, por
(1) José Lourenço Torres Neto

Atuações e qualificações
(1) Acadêmico de Direito na Faculdade Maurício de Nassau em Recife, PE.

E-mails
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A matéria supra transcrita se acha publicada na Internet, no site seguinte:

http://www.uj.com.br/publicacoes/doutrinas/2701/EXTINCAO_DE_CONTRATOS_POR_ONEROSIDADE_EXCESSIVAUma_possibilidade_de_resposta_as_partes_e_uma_delimitacao_de_poderes_ao_juiz

Indenização: erro judiciário e prisão indevida

Elaborado em 05.2004.

Juliana F. Pantaleão

advogada, pós graduanda em Direito Processual Penal pela Escola Paulista da Magistratura

Marcelo C. Marcochi

advogado, pós graduado em Direito Penal e pós graduando em Direito Processual Penal pela Escola Paulista da Magistratura, membro da Comissão de Direitos e Prerrogativas Criminais da Câmara Criminal da Ordem dos Advogados do Brasil – Secção São Paulo/Subsecção de Santos, Professor de Direito Penal e Processual Penal, membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais.

Noções Preliminares

"A lei não esgota o Direito, como a partitura não exaure a música" (1).

A Constituição Federal estabelece, no art. 5º, LXXV, que o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença, garantindo a tal dever, caráter de direito fundamental do cidadão.

Atualmente, inúmeros são os erros judiciários que, a nosso ver, não podem ser restritos à seara do direito penal, uma vez que a norma constitucional estabelece o dever do Estado de indenizar tanto o condenado por erro judiciário, quanto a pessoa que permanecer presa além do tempo fixado na sentença.

Ademais, conforme estabelece o art. 37, §6º da Carta Constitucional, o Estado é responsável pelos atos praticados pelos seus agentes que causem dano a terceiro, garantindo, assim, que qualquer prejuízo decorrente da atividade estatal, independentemente de caracterizar erro judiciário, será reparado pelo Estado.

Yussef Said Cahali afirma:

"A responsabilidade civil do Estado pelo erro judiciário representa o reforço da garantia dos direitos individuais.(...) impõe-se no Estado de Direito o reforço da garantia dos direitos individuais dos cidadãos, devendo ser coibida a prática de qualquer restrição injusta à liberdade individual, decorrente de ato abusivo da autoridade judiciária, e se fazendo resultar dela a responsabilidade do Estado pelos danos causados" (2).

Responsabilidade do Estado por atos jurisdicionais

Do latim respondere, tomado na significação de responsabilizar-se, "responsabilidade" denota garantir, assegurar, assumir o pagamento do que se obrigou ou do ato que praticou; subsumi-se assim em uma obrigação, ou seja, na satisfação de um prejuízo causado pendente de ressarcimento – do latim resarcire – consistente no pagamento de um dano ou a satisfação de uma obrigação, resultante ou fundada na responsabilidade.

Nesse passo, a forma de responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito público sofreu diversas transformações no decorrer do tempo, passando por fases distintas. No entanto, apesar dos motivos que levaram à queda da teoria da irresponsabilidade do Estado, que prevaleceu na época dos déspotas e absolutistas, ainda hoje existem aqueles que a sustentam, porém, com argumentos calejados (3).

A primeira fase, conhecida como a da irresponsabilidade do Estado, baseada na premissa the king can do no wrong (O Rei nunca erra; o Príncipe sempre tem razão), é caracterizada pela total irresponsabilidade do Estado frente aos danos causados aos particulares no exercício das funções estatais, prevalecendo sua soberania e seu poder incontrastável.

A premissa era de que o Estado era a expressão da Lei e do Direito conquanto não havia como considerá-lo violador da norma jurídica; não se concebia, por conseguinte, a constituição de direitos contra um Estado soberano.

O princípio desta teoria era o de que os agentes do Estado, quando faltavam ao dever ou violavam a lei seriam pessoalmente responsáveis pelo dano, mas jamais o Estado. O particular, desta feita, não ficava totalmente desprotegido porquanto provada a culpa ou o dolo do agente estes responderiam individualmente pelo "dano" causado.

Com o reconhecimento dos direitos dos indivíduos perante o Estado e, com a difusão da idéia de submissão do Estado ao Direito, a teoria da irresponsabilidade foi perdendo eficácia, embora os Estados Unidos da América e a Inglaterra ainda a adotassem, respectivamente, até 1946 e 1947 (4).

A segunda fase, civilista, adota a teoria da responsabilidade subjetiva, baseada no art. 15 do Código Civil de 1916, que dispunha que "as pessoas jurídicas de direito público são civilmente responsáveis por atos dos seus representantes que nessa qualidade causem danos a terceiros, procedendo de modo contrário ao direito ou faltando a dever prescrito por lei, salvo o direito regressivo contra os causadores do dano".

A teoria civilista ou mista era norteada pelas premissas de que os atos de império praticados pelo Estado escapariam ao domínio do direito privado, não sendo, portanto, responsabilizado o Estado por prejuízos causados por seus agentes ao atuarem invocando essa qualidade; os atos de gestão, desde que para praticados pelo Estado, se regeriam pelo direito comum, pelo que haveria a responsabilidade do Poder Estatal todas as vezes que, por culpa do funcionário, fosse ferir direito de alguém; e somente haveria responsabilidade civil do Estado quando, na prática de algum ato lesivo a outrem, ficasse comprovada a culpa do agente que o executou (5).

Ex vi o estabelecido pelo antigo Código Civil, à vítima incumbia o ônus de provar a culpa ou o dolo do funcionário, havendo o Estado, direito de ação regressiva contra este.

‘É exatamente porque, exercendo a função o funcionário age mal, quer faltando ao dever prescrito em lei, quer procedendo de modo contrário ao Direito, que seu ato se torna ilegítimo e induz à responsabilidade do Estado. Se o funcionário agisse, sempre, dentro dos rigorosos limites da representação, jamais vincularia o Estado ao ressarcimento, de acordo com o art. 15 do CC’ (6).

A Constituição Federal de 1946 iniciou a denominada fase publicista, baseada na teoria da culpa administrativa, conhecida pelos franceses como faute du service (falta de serviço), fundamentada na culpa individual do causador do prejuízo, ou na culpa do próprio serviço, denominada culpa anônima (casos de enchentes, por exemplo).

Nesta fase, restava à vítima comprovar a não prestação do serviço ou a sua insuficiência, configurando a culpa do serviço e a conseqüente responsabilidade do Estado, sobrevindo três teorias à imprimir diretrizes ao nexo de causa e resultado: a) teoria do risco administrativo; b) teoria da culpa administrativa e c) teoria do risco integral.

A Constituição Federal hodierna de 1988 adotou a teoria do risco administrativo, fazendo surgir a responsabilidade objetiva do Estado, a partir da qual não importa se o serviço público realizado foi bom ou mal, mas sim, que o dano sofrido pela vítima foi conseqüência do funcionamento do serviço público, importando a relação de causalidade entre o dano causado e o agente.

Tal teoria difere-se da chamada teoria do risco integral, através da qual o Estado seria responsável por qualquer dano causado ao indivíduo, independentemente de ser a culpa exclusiva da vítima, hipótese de caso fortuito ou força maior.

O art. 37, §6º da Constituição Federal regula a matéria determinando que as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado, prestadoras de serviços públicos (concessionárias e permissionárias), responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Observa-se que a responsabilidade de que cuida a Constituição Federal não se confunde com a responsabilidade civil contratual, que deverá ser analisada sob o ângulo dos contratos administrativos.

De acordo com os ensinamentos de José Alfredo de Oliveira Baracho, a responsabilidade patrimonial e extracontratual do Estado, por comportamentos administrativos, origina-se da teoria da responsabilidade pública, com destaque para a conduta ensejadora da obrigação de reparabilidade, por danos causados por ação do Estado, por via de ação ou omissão. O dever público de indenizar depende de certas condições: a correspondência da lesão a um direito da vítima, devendo o evento implicar prejuízo econômico e jurídico, material ou moral (7).

Nota-se, portanto, que a teoria do risco administrativo, configurando a responsabilidade objetiva do Estado, exige a ocorrência do dano, uma ação ou omissão administrativa, o nexo causal entre o dano e a ação ou omissão, e a inexistência de causa excludente da responsabilidade estatal.

"O fundamento de qualquer responsabilidade civil não pode, todavia, ser outro que a exigência de que seja reparado um dano, uma vez demonstrado o nexo causal entre a atividade do agente e esse dano; a qualidade do agente, ou a natureza da atividade lesiva, nada têm a ver, doutrinariamente, com o princípio da responsabilidade civil, e muito menos poderão influir no hodierno Estado de direito" (8).

Interessante observar que o artigo constitucional estabeleceu duas relações de responsabilidade, quais sejam: a do poder público e seus delegados na prestação de serviços públicos perante a vítima do dano, baseada no nexo causal; e a do agente causador do dano, perante a Administração ou empregador, baseada no dolo ou culpa, possibilitando que o Estado exerça seu direito de regresso nos casos de culpa exclusiva de seus funcionários, o que não lhe exime da obrigação indenizatória perante o particular.

Em relação às pessoas jurídicas de direito público interno, conforme disposto no art. 43 do Código Civil (9), na mesma ordem constitucional, estabelece que estas são civilmente responsáveis por atos de seus agentes que, nessa qualidade, causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte deles, culpa ou dolo.

Embora a Constituição Federal declare a responsabilidade objetiva, Celso Antônio Bandeira de Mello, dentre outros, posiciona-se no sentindo de que a responsabilidade será objetiva quando os danos decorrerem de atos comissivos, ou seja, praticados mediante uma ação. No entanto, a responsabilidade é subjetiva quando os danos forem causados por omissão do agente, uma vez que omissão, rigorosamente falando, não é causa de dano, conquanto seja certo que condiciona e irresistivelmente sua ocorrência nos casos em que, se houvesse a ação, o dano seria evitado (10).

Observa-se que tal argumento pode ser sustentado se a palavra "ato" constante do art. 43 do Código Civil for interpretada restritivamente tomando o sentido do verbo "agir" e, portanto, resultando de uma ação e não de uma omissão.

Oswaldo Aranha Bandeira de Mello complementa escrevendo que a responsabilidade do Estado por omissão só pode ocorrer na hipótese de culpa anônima, da organização e funcionamento do serviço, que não funciona ou funciona mal ou com atraso, e atinge os usuários do serviço ou os nele interessados (11).

Luís Wanderley Gazoto também critica a teoria objetiva da responsabilidade estatal, posicionamento por nós não adotado, ponderando que a doutrina pretende, sem analisar corretamente os fundamentos da responsabilidade civil do Estado, ampliar demasiadamente o conceito de erro judiciário, para aplicar as bases da teoria do risco objetivo a todos os atos jurisdicionais. Ressalta o autor que a tese de que a responsabilidade estatal é sempre objetiva deve ser abandonada, sendo excepcionalmente objetiva, fundamentada no risco da atividade e no interesse estatal em sua prática (12).

Em que pese às discussões doutrinárias a respeito da responsabilidade estatal, a Constituição Federal assegura, como direito fundamental, a indenização pelo Estado nas hipóteses de erro na condenação e prisão indevida.

Consoante estabelece o art. 630, do Código de Processo Penal, o Tribunal, se o interessado requerer, poderá reconhecer o direito a justa indenização por prejuízos sofridos, que será liquidada no juízo cível, respondendo a União, no caso da condenação ter sido proferida pela justiça do Distrito Federal ou de Território ou o Estado, se o tiver sido pela respectiva justiça.

No entanto, dispõe mencionado artigo que a indenização não será devida se o erro ou injustiça da condenação proceder de ato ou falta imputável ao próprio impetrante, como a confissão ou a ocultação de prova em seu poder, bem como se acusação houver sido meramente privada.

A irresponsabilidade do Estado por indenização a danos causados em ação penal de iniciativa privada se justificaria pelo fato de que quem promove a persecução penal não é o Estado, mas sim o ofendido, não havendo interesse público na persecução penal. Remanesceria a responsabilidade estatal somente pela prática de atos ilícitos, que não seria objetiva, mas dependente de comprovação de que o dano tenha sido causado por violação de direito ou de omissão de cumprimento de dever, aplicando-se as regras da teoria da faute de service (13).

Entendemos, contudo, que tais argumentos não prevalecem, conforme será demonstrado no decorrer do estudo.

Jurisdição:

Para analisar a responsabilidade dos atos jurisdicionais, nos moldes do art. 37, §6º da Constituição Federal, é necessário, em primeiro lugar, partir do conceito de jurisdição e verificar se esta pode ser considerada um serviço público.

A palavra jurisdição tem origem no latim juris dictio, significa dizer o direito, e integra uma parte do Poder Estatal, representando o poder de aplicar a lei ao caso concreto, bem como aplicar sanções.

Ensina Chiovenda:

‘A jurisdição é exclusivamente uma função do Estado, isto é, uma função da soberania do Estado’ (14).

Observa-se que a jurisdição tem caráter essencialmente substitutivo, visto que o Estado substitui a ação das partes através de seus órgãos jurisdicionais, os quais somente poderão ser ocupados por aquele que estiver investido no cargo por ato legítimo, sob pena de responder pelo crime de responsabilidade criminal, além de causar a nulidade de todos os atos por ele praticados.

A jurisdição é norteada por diversos princípios, quais sejam: investidura, aderência ao território, indeclinabilidade, indelegabilidade, improrrogabilidade, inevitabilidade, nulla poena sine judicio, ne eat iudex ultra petitum, ne procedat iudex ex officio, motivação das decisões, juiz natural imparcialidade e unidade e identidade da função jurisdicional.

Nenhum magistrado pode delegar ou subtrair-se da função jurisdicional que lhe é inerente, a não ser nos casos expressamente permitidos por lei, como no caso de carta precatória. Ademais, a própria jurisdição já tem caráter de delegabilidade, não sendo permitido, portanto, uma subdelegação.

Assim, jurisdição é a função, delegada pelo Estado ao Poder Judiciário, de aplicar as normas de direito objetivo da ordem jurídica em relação a uma pretensão, bem como de tutelar os mandamentos da ordem jurídica. Daí dizer-se que é a causa final específica da atividade do Poder Judiciário (15).

A partir de tais considerações, embora a questão seja deveras divergente entre os doutrinadores, conclui-se que a jurisdição é um serviço público, assim considerado, um dos serviços que o Estado presta à comunidade, nos mais variados setores, para a consecução de seu fim.

Servimo-nos do raciocínio de Aliomar Baleeiro:

"Acho que o Estado tem o dever de manter uma Justiça que funcione tão bem como o serviço de luz, de polícia, de limpeza ou qualquer outro. O serviço da Justiça é, para mim, um serviço público como qualquer outro" (RTJ 64/714; RDA 114/325).

No mesmo sentido, Juary Silva aceita que o Estado, no desempenho da função jurisdicional, desenvolve um serviço público – o que temos por irrecusável e óbvio – depreende-se que o Estado-jurisdição é tão responsável pelos seus atos lesivos, quanto o é, no respeitante aos seus, o Estado-administração. Realmente, todo serviço público implica a idéia de responsabilidade de quem o executa, em qualquer modalidade, em face da jurisdicização da atividade estatal e da submissão do Estado ao Direito, nos moldes do constitucionalismo subseqüente à Revolução Francesa (16).

Desta forma, em sendo a jurisdição um serviço público que visa proteger juridicamente o cidadão, é passível de ser responsabilizada nos moldes constitucionais, pois, a tutela jurídica não é só pelo juiz, mas também, contra o juiz, dado que este tem poderes públicos e é vinculado aos direitos fundamentais, cabendo ao Estado direito de regresso contra o agente responsável que tiver agido com dolo ou culpa (17).

Observa Laspro que, para o juiz responder pelos danos causados à parte, é indispensável a presença de específicos elementos, objetivo e subjetivo. No tocante ao elemento objetivo, deve haver a configuração da ilicitude em razão da ação ou da omissão voluntária do juiz, que constituem o erro judiciário ou o anormal funcionamento da Justiça. Com relação ao aspecto elemento subjetivo, é necessário verificar se tinha o juiz a consciência da ilicitude ou se assumiu o risco (18).

Notório que, em se tratando de atos jurisdicionais, o agente que pratica tal ato é o magistrado (Estado-Juiz), devidamente investido na carreira através de concurso público de provas e títulos, que mantém, guardadas as proporções, um vínculo de emprego, de cunho profissional em relação à Administração Pública. A responsabilidade do Estado por atos jurisdicionais vai além da sentença, abrangendo todos os atos praticados no curso do processo como despachos e decisões interlocutórias.

Interessante expor o raciocínio de Cretella Júnior que observa, com razão, que, pessoalmente, o juiz, num primeiro momento, não é responsável. Nem pode ser. Responsável é o Estado. Estado e juiz formam um todo indissociável. Se o magistrado causa dano ao particular, o Estado indeniza, exercendo depois o direito de regresso contra o causador do dano, sem prejuízo das sanções penais cabíveis no caso. Em caso de dolo e culpa (19).

Cabe ainda salientar que existem divergências na doutrina em relação à jurisdição voluntária e a contenciosa, no que tange à responsabilização. Porém, não é objeto deste trabalho aprofundar difícil discussão, restando-nos, apenas, breve conclusão.

Respeitados todos os entendimentos, ainda aqueles que se posicionam no sentido de que a denominada jurisdição voluntária se equipara a ato administrativo e não de jurisdição, não há dúvidas que a responsabilidade do Estado permanece, independentemente do tipo de jurisdição, uma vez que em ambas as modalidades, ainda é um servidor público que pratica o ato que pode lesar o particular. A espécie de jurisdição é irrelevante para o dever ressarcitório do Estado. Ademais, o Estado não deixa de ser responsável pela prática de atos administrativos.

Na lição de Souza Mendonça, para o lesado, interessa ser inteiramente reparado pelo dano sofrido. Máxime quando o agente é justamente aquele que promete evitar os danos, tanto mais quando provocado pelo órgão responsável pela equalização das relações (20).

O Estado somente não será responsabilizado pela reparação do prejuízo na hipótese do dano ter ocorrido por culpa exclusiva do lesado ou de terceiro (desde que comprovado que o Estado não concorreu, de nenhum modo, para a existência do ato lesivo), ou na ocorrência de caso fortuito e força maior.

Escreve Juary Silva:

"A responsabilidade jurisdicional do Estado, no nosso sistema jurídico, abrange não só as hipóteses de dolo ou fraude (exercício anormal da jurisdição), como também a de erro judiciário, entendendo-se por tal violação da lei, desde que não se trate da aplicação de um conceito indeterminado ou elástico, de decisão de equidade, ou de avaliação da prova; o erro pode referir-se à aplicação da lei material ou da processual. (...) Não há qualquer óbice a que a responsabilidade jurisdicional do Estado abranja todo e qualquer exercício de jurisdição" (21).

Os atos jurisdicionais atingem não somente os integrantes da relação processual a que se destinam, podendo refletir em terceiros estranhos ao processo. Sob o aspecto da responsabilidade do Estado por ato jurisdicional que atinja terceiro e lhe cause prejuízo, a doutrina é divergente.

Sustenta Maria Sylvia Zanella Di Pietro que tratando-se de função jurisdicional, tem-se que excluir, desde logo, os danos decorrentes de atos lícitos praticados pelo Poder Judiciário. Embora a função jurisdicional, no âmbito civil, objetive, em última instância, a consecução da paz social, quando se exerce no caso concreto, ela não beneficia a toda a coletividade (salvo em algumas ações que protegem o interesse coletivo) mas apenas as partes envolvidas. Não há como aplicar a regra da repartição dos encargos sociais; o benefício e o prejuízo alcançam apenas as partes no processo (22).

Com a devida venia, ousamos discordar do entendimento citado, uma vez que parece um tanto quanto injusto excluir de terceiro estranho à relação processual que sofreu um prejuízo causado por ato jurisdicional, seu direito de ressarcimento, ainda que em âmbito civil. Parece-nos que, nesta hipótese, o dano é ainda maior, uma vez que o terceiro sequer fazia parte da relação processual e sofre conseqüências danosas de um ato jurisdicional que, talvez, nem tivesse conhecimento de que poderia ser afetado.

Ademais, a Constituição Federal garante a todos o direito de reparação aos danos patrimoniais ou morais sofridos e a tutela de seus direitos e garantias fundamentais sem distinção, em relação à responsabilidade do Estado por atos jurisdicionais ou de qualquer de seus agentes, se de aspecto civil, penal, trabalhista etc, bem como o direito de todos a peticionar aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder e, ainda, por ordem constitucional, a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.

Porquanto incontroverso que o dano decorrente da atividade judiciária pode atingir não apenas as partes integrantes da relação envolvida, mas também, terceiros, através de algum ato praticado, não se pode negar a estes o direito de reparação apenas por não terem participado da relação processual, ainda que a responsabilidade não seja mais objetiva, ou seja, cumprindo ao terceiro lesado comprovar o nexo de causalidade entre o ato jurisdicional praticado e o dano lhe atingiu.

O Estado ao assegurar o pronunciamento judicial como único meio de estabilizar definitivamente qualquer direito conflitado deve responder pelos prejuízos resultantes da sua má atuação em fazer aplicar tal dogma constitucional. A finalidade da tutela jurisdicional é garantir que o direito objetivo material seja obedecido. Para tanto, estabelece a obrigatoriedade de o juiz cumprir determinados prazos, tomar providências preliminares, proferir sentença etc, constituindo garantia constitucional implícita a prestação apoiada no princípio da legalidade, através do qual o Estado deve suportar a lei que ele próprio fez, sendo inconciliável com o sistema, o fato de não gerar responsabilidade o descumprimento do direito positivado (23).

Daí a ponderação de Mário M. Porto:

"A Magistratura – como toda atividade artística – não é uma profissão que se escolhe, mas uma predestinação que se aceita. Vivemos uma quadra histórica em que a formulação e as aplicações dos ideais de justiça dilargam o cômodo e estreito território das verdades formais, dos juízos apriorísticos, das parêmias afonsinas. O juiz de hoje – patícipe atuante e não testemunho indiferente da evolução sócio-política do seu meio – não é mais um exilado da vida ou álgido locatário de torres de marfim. Apeado do pedestal a que se alçara não para a preservação de virtudes essenciais, mas por exigência de convenções secundárias, passou, hoje, a viver e participar dos conflitos e sofrimentos de seus iguais, para que os sentindo e vivendo pudesse resolvê-los, não como um orago a quem um carisma iluminara, mas como um artista a quem a experiência esclareceu" (24).

Não há, portanto, como negar a responsabilidade civil do Estado perante àquele que sofrer uma agressão ou dano decorrente de atividade jurisdicional, e, conforme assevera Carmem Lúcia Antunes Rocha:

‘o direito à jurisdição é o direito público subjetivo constitucionalmente assegurado ao cidadão de exigir do Estado a prestação daquela atividade. A jurisdição é, então, de uma parte, direito fundamental do cidadão, e, de outra, dever do Estado’ (25).

Responsabilidade pessoal do juiz:

Conforme os ensinamentos de Caio Mário da Silva Pereira, o juiz, na processualística moderna, não é mero espectador de uma contenda entre litigantes. Nem ao menos pode permanecer adstrito a conter os contendores na observância das regras do jogo. O juiz dirige o processo, assegurando a igualdade de tratamento, às partes, procurando rápida solução para o litígio e assegurando a dignidade da justiça. Ao aplicar a lei ao caso concreto deve acertar, mas nem sempre pode, pois humano, está sujeito a errar (26).

Em relação à responsabilidade pessoal do magistrado por ato jurisdicional, importante analisar o art. 133 do Código de Processo Civil (27) que, deve ser analisado à luz da Constituição Federal de 1988, tendo em vista datar de 1973. Aplicado o mandamento constitucional, observa-se que, na hipótese do juiz proceder com dolo ou fraude no exercício de suas ações, a responsabilidade civil recai sobre o Estado que haverá direito de regresso em face de seu agente e, no caso de haver recusa, omissão ou retardamento, sem justo motivo, em providência que deva ser ordenada de ofício, ou a requerimento da parte, a responsabilidade civil será pessoal do juiz, com natureza correicional, ex vi os mandamentos da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (art. 49, Lei Complementar nº 35/79).

De acordo com esta previsão numerus clausus, a obrigação de indenizar é pessoal do magistrado quando tenha agido com dolo (posto que a fraude é uma conduta dolosa) e culpa, sob a modalidade de negligência, ou seja, recusar, omitir ou retardar.

Ensina Rui Stoco que a atitude culposa do juiz ocorre tão logo a parte cumpra o disposto no parágrafo único do art. 133 do Código de Processo Civil, independentemente de ação judicial na qual se verificou a ocorrência ter ou não sido julgada. No entanto, para caracterizar o procedimento doloso ou fraudulento, há necessidade de expresso reconhecimento em ação rescisória (28).

A esse respeito, observa-se que a ação de indenização pode ser impetrada contra o magistrado diretamente, permanecendo a cargo do lesado optar por ingressar com ação contra a Fazenda Pública. Armando Gomes Leandro complementa:

‘Nestes casos, o magistrado poderá responder sempre diretamente perante o lesado. Quando, porém, não derive de prática de crime, a responsabilidade civil, além de só ser admitida nos casos especialmente previstos na lei, só poderá ser efetivada mediante ação de regresso exercida por parte do Estado contra o magistrado’ (29).

Divergindo do posicionamento de Rui Stoco, que sustenta o dever de indenizar do magistrado quando agir com negligência, Nelson Nery Jr. entende que a responsabilidade pessoal do juiz somente ocorrerá se tiver procedido com dolo ou fraude. A culpa no exercício da atividade jurisdicional não acarreta, para o magistrado, o dever de indenizar. O ato jurisdicional danoso, praticado com culpa, embora não enseje ao juízo dever de indenizar, pode acarretar, em tese, esse dever para o poder público (CF, 37, §6º) (30).

A responsabilidade pessoal do juiz, no entanto, não exclui a responsabilidade do Estado, sendo possível que o lesado ingresse com a competente ação contra ambos, solidariamente.

Optando o lesado por demandar contra o Estado, este não estará obrigado a denunciar a lide ao funcionário público no caso deste ter agido com dolo ou culpa, pois, nos dizeres de Yussef Said Cahali, a denunciação do funcionário público implica necessariamente na ‘confissão’ da responsabilidade civil do Estado pela denunciante, na medida em que se resolve no reconhecimento expresso do dolo ou culpa de seu servidor, como fundamento da denúncia; exaurida nesses termos da lide principal, cumpre ao Estado simplesmente adimplir a obrigação ressarcitória, mostrando-se imoral e despropositado pretender servir-se do mesmo processo instaurado pelo ofendido para, inovando a fundamentação da ação, recuperar de terceiro aquilo que já deveria ter pago, na composição do dano sofrido pela vítima; e desde que só este pagamento efetivamente realizado legitima a pretensão fazendária regressiva contra o funcionário culpado, resta-lhe apenas a ação direta de regresso para o reembolso (31).

Importante ressaltar os ensinamentos de Rômulo José Ferreira Nunes:

"Caracteriza a responsabilidade estatal quando, devendo sustar o ato impugnado através de liminar, comprovados os requisitos legais, o juiz deixa de fazê-lo, apesar do impetrante obter provimento final favorável que se evidencia inócuo. Maria Emília Mendes Alcântara (1989, pág. 47) aduz que ‘ao negar a liminar o juiz não se omitiu, tendo ao contrário agido positivamente. E este seu agir pode ser um comportamento lícito ou ilícito’. (...) De igual modo, se, ausentes os requisitos, o juiz conceder a medida indevidamente e resultar em danos para o requerido, realiza-se uma clara demonstração de que o serviço judiciário funcionou defeituosamente" (32).

Na hipótese da responsabilidade voltar-se contra um órgão colegiado e não a um juiz singular, entendemos ser a responsabilidade solidária, em ação de regresso ou não, de todos os membros que votaram no sentido que causou o dano.

Do erro judiciário

Conceito:

Quando se fala em erro judiciário, logo se pensa no erro penal, que abrange, dentre outros, o erro na condenação e o erro na prisão preventiva. No entanto, o erro judiciário pode ocorrer quer no âmbito não penal como, quer no processo civil, trabalhista, eleitoral ou em qualquer outra área de atuação jurisdicional, podendo ser erro in procedendo ou in judicando; pode decorrer de erro, dolo ou culpa (negligência, imprudência ou imperícia).

Assim, o erro judiciário pode ocorrer em outras áreas do direito haja vista os casos de anulação de sentença em ação rescisória, carecendo, a nosso pensar, de inegável direito à indenização por erro judiciário, sobremaneira nos casos em que se verifica que a sentença foi dada por prevaricação, concussão, corrupção do juiz, ou proferida por juiz impedido ou absolutamente incompetente, conforme art. 485, I e II do CPC.

Salienta Duez, a respeito da caracterização do erro judiciário que este pode, com efeito, se produzir fora de qualquer falta de serviço público. É um risco inerente ao funcionamento do serviço de justiça como o acidente de trabalho é um risco da empresa industrial (33).

O erro penal pode abranger outras hipóteses além do erro na condenação, como o erro no recebimento da denúncia, na decretação da prisão cautelar, no arresto e na busca e apreensão.

Entende Gazoto que ao falar-se em erro judiciário, quer se dizer erro do sistema de persecução penal, o qual foi produzido não porque o juiz errou, mas por um conjunto de fatores: porque a polícia apurou mal o delito, o Ministério Público e o juiz descuraram de suas obrigações de descobrir a verdade real etc (34).

Tal posicionamento é complementado pelos dizeres de Juary C. Silva, afirmando que a aplicação judicial ou judiciária da lei abarca por igual a que exercem os serventuários da Justiça, no desempenho das atribuições que lhes são cometidas. Judicial aí está como decorrência de esses serventuários se inserirem na estrutura do Poder Judiciário, não por serem juízes, que não o são, nem por exercerem atribuições peculiares aos juízes. Por uma questão de coerência, não limitamos o Poder Judiciário, visto como um todo, com a natureza de um serviço público, aos juízes, pois, os serventuários, posto não exercendo funções judicantes, atuam por força de lei, e, como não se inserem nem no Executivo nem no Legislativo, só podem pertencer ao Judiciário, ou do contrário teríamos que admitir que eles se situariam à margem de toda a estrutura orgânica do Estado (35).

José de Aguiar Dias, por sua vez, considera o erro judiciário a sentença criminal de condenação injusta, alcançando, também, a prisão preventiva injustificada, excluindo, no entanto, os casos de má-fé, abuso ou desvio de poder do magistrado (36).

Luiz Antonio Soares Hentz entende que o juiz opera com erro sempre que declara o direito a um caso concreto sob falsa percepção dos fatos, quando a decisão ou sentença diverge da realidade ou conflita com os pressupostos da justiça, entre os quais se insere o conhecimento concreto dos fatos sobre os quais incidirá a norma jurídica. Assim, as principais causas do erro judiciário são: o erro ou a ignorância; o erro judiciário decorrente de culpa; a decisão contrária à prova dos autos; o erro provocado não imputável ao julgador; a errada interpretação da lei; o erro judiciário decorrente da aplicação da lei (37).

No entender de Joel Dias Figueira Júnior, dentro da distinção exposta tradicionalmente, o erro judiciário stricto sensu enquadrar-se-ia naquelas figuras descritas no art. 133 do Código Buzaid (procedimento culposo – culpa grave – ou doloso; recusa, omissão ou retardamento sem justo motivo de providências que deveria tomar de ofício ou a requerimento da parte) e naquelas outras do art. 630 do Código de Processo Penal, em sintonia com o estatuído no inc. LXXV da Constituição Federal (direito à indenização pelos prejuízos sofridos decorrentes de sentença condenatória, após a obtenção de decisão judicial determinando a sua cassação – revisão criminal); condenação errada e prisão por tempo superior ao fixado no decisum. De outra parte, o erro judiciário lato sensu estaria enquadrado nas hipóteses de mau funcionamento da máquina administrativa. Seguindo este entendimento, sinteticamente, poderíamos classificar a responsabilidade do Estado por dolo, fraude ou culpa grave do magistrado, ou por culpa (objetiva) do serviço judiciário verificada não por causa do juiz, mas sim, por inércia, negligência ou desordem na manutenção e funcionamento dos serviços judiciais (38).

Não há que se confundir, no entanto, erro judiciário com o erro judicial, vale dizer, erro do juiz.

Temos como erro judiciário a deficiente apreciação das causas por parte do órgão jurisdicional, ou ainda a sua má aplicação, que escoam para uma decisão contrária ao alegado, ou seja, divorciada da verdade material ou contrária à lei.

Derivada do latim error, do verbo errare, tem-se como a falsa concepção acerca de uma pessoa, de uma coisa ou de um fato. É a idéia contrária à verdade, podendo ser o falso tomado como verdadeiro e o verdadeiro como falso. O erro "é o predicado, segundo os escolásticos, do juízo. Como a verdade é a adequação da mete à coisa, ou seja, a conformidade do juízo com a coisa, infere-se que o erro é contrário á verdade".

É, pois, a falsa representação da realidade porquanto se decide acerca daquilo que tem aparência de verdade; do contrário, por estar o entendimento orientado pela verdade demonstrada, jamais seria um erro, senão a precipitação daquilo que falsamente se mostrou verdadeiro.

Stoco sustenta que o erro judiciário é aquele que ocorre nos processos criminais, somente gerando dever de indenizar após seu reconhecimento em ação rescisória, necessitando de prova do dano em ação de conhecimento de via ordinária (39).

Não concordamos, data venia, com os ensinamentos do citado autor, uma vez que tanto o erro judiciário ou o erro judicial podem ocorrer em qualquer ramo do direito quando se utiliza do maquinário do Poder Judiciário, seja em primeira instância ou naquelas superiores, sempre há possibilidade de erro. Desta forma, não se restringe ao campo penal o erro judiciário e, havendo sua ocorrência, principalmente na seara criminal, o dever do autor se resume a comprovar o nexo de causalidade entre o fato e o dano, cumprindo ao Estado a prova de que o dano não existe ou que não concorreu para sua existência.

O Código Penal de 1890 já estabelecia no art. 86, §2º, o dever do Estado de indenizar o erro judiciário: "A sentença de rehabilitação reconhecerá o direito do rehabilitado a uma justa indemnização, que será liquidada em execução, por todos os prejuízos sofridos com a condenação. A Nação, ou o Estado, são responsáveis pela indemnização" (40). Todavia, a indenização não seria devida Estado ou pela União se: 1) "se o erro ou a ianjustiça da condemnação do réo rehabilitado proceder de acto ou falta imputável ao mesmo réo, como a confissão ou a ccultação da prova em seu poder; 2) se o réo não houver exgottado todos os recursos legaes; 3) se a accusação houver sido meramente particular" (41), cabendo, em quaisquer casos, a ação regressiva contra as autoridades e as partes interessadas na condenação (Lei nº. 221, de 20 de novembro de 1894, art. 84, § único).

Ação e omissão

Conforme analisado, a responsabilidade do Estado poderá ser proveniente de duas situações: a) conduta positiva (o agente público é o causador imediato do dano); b) conduta omissiva (o Estado não atua diretamente na produção do evento danoso, porém, tinha o dever de evitá-lo).

Em que pese a Constituição Federal estabelecer a responsabilidade objetiva do Estado, a grande discussão se encontra, como visto, em relação aos atos omissivos, pois, doutrinadores há que entendem que na hipótese de omissão do Estado, a responsabilidade será subjetiva.

Na hipótese do Estado se omitir diante do dever legal de obstar a ocorrência de um dano, a responsabilidade, parece-nos, originar sempre de um ato ilícito, uma vez que havia o dever de agir imposto pela norma ao Estado que, em decorrência da omissão, foi violado. Assim, o Estado não responderá pelo evento que diretamente causou o dano, mas sim, por não ter praticado conduta suficientemente adequada para evitar o prejuízo ou mitigar seu resultado, quando o fato for notório ou perfeitamente previsível (42).

A esse respeito, pondera Celso Antônio Bandeira de Melo, acompanhado de Maria Helena Diniz, Odília Ferreira da Luz, Caio Tácito e Themístocles Brandão Cavalcanti:

‘De fato, na hipótese cogitada, o Estado não é o autor do dano. Em rigor, não se pode dizer que o causou. Sua omissão ou deficiência haveria sido condição do dano, e não causa. Causa é o fato que positivamente gera um resultado. Condição é o evento que não ocorreu, mas que, se houvera ocorrido, teria impedido o resultado’ (43).

Adeptos à aplicação da responsabilidade objetiva nas hipóteses de condutas estatais omissivas, encontram-se Toshio Mukai e José de Aguiar Dias, sustentando, este último que:

‘Só é causa aquele fato a que o dano se liga com força de necessidade. Se, numa sucessão de fatos, mesmo culposos, apenas um, podendo evitar a conseqüência danosa, interveio e correspondeu ao resultado, só ele é causa, construção que exclui a polêmica sobre a mais apropriada adjetivação. Se, ao contrário, todos ou alguns contribuíram para o evento, que não ocorreria, se não houvesse a conjugação deles, esses devem ser considerados causas concorrentes ou concausas’ (44).

De acordo com o entendimento majoritário da doutrina e jurisprudência, apoiado em Odete Medauar, Celso Ribeiro Bastos, Hely Lopes Meirelles, Weida Zancaner Brunini e Yussef Said Cahali, a responsabilidade estatal será sempre, ainda que por conduta omissiva, objetiva, pois, como nem sempre é possível identificar o agente causador do dano, nem demonstrar o dolo ou a culpa, melhor se asseguram os direitos da vítima através da aplicação da responsabilidade objetiva do Estado. A prevalência da teoria subjetiva existe, tão somente, na relação entre o Estado e seu funcionário (45).

Há que se levar em conta, inclusive, o disposto no art. 13 combinado com o art. 3º, ambos do Código de Defesa do Consumidor, que estabelecem que o Estado é fornecedor de serviço público e, portanto, sua responsabilidade é objetiva por danos decorrentes da falta do serviço, o que inclui, por óbvio, as condutas omissivas.

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Jus Navigandi


Esta matéria consta do site seguinte:

http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5642

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quarta-feira, 1 de julho de 2009

Interpretação de cláusula abusiva deve ser em favor do consumidor

Extraído de: Direito Vivo - 05 de Junho de 2009

A Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Mato Grosso não acolheu recurso interposto pela Bradesco Auto/Re Companhia de Seguros e manteve sentença de Primeira Instância favorável à empresa J.M. Comércio de Petróleo Ltda. a fim de que a seguradora pague R$ 49,5 mil relativos ao prêmio de um seguro, objeto de contrato firmado entre as partes. O pagamento não fora feito pela seguradora sob alegação de que a parte não teria apresentado a documentação necessária do veículo sinistrado (Apelação nº 31957/2009).
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Para o relator da apelação, desembargador Sebastião de Moraes Filho, é vedado à seguradora negar-se a cobrir os prejuízos embasada em cláusula nula de pleno direito. "E mesmo que não fosse assim, de uma detida análise do caderno processual, verifica-se que totalmente descabida a alegação da apelante de ausência de documentação". Conforme o magistrado, nota-se dos autos todos os documentos que comprovam que o veículo estava livre de qualquer ônus, bem como que o apelado seria o verdadeiro proprietário do veículo sinistrado, não havendo que se falar em negativa de pagamento ante a ausência de apresentação dos documentos necessários. No recurso, aduziu a seguradora que em nenhum momento se negou a pagar a indenização securitária, apenas solicitou apresentação, por parte da recorrida, de todos os documentos que comprovassem a propriedade do bem, que o mesmo estaria livre de qualquer ônus e da liberação do gravame junto à financiadora.

O desembargador Sebastião de Moraes Filho destacou que as partes têm obrigações em comum, cabendo ao segurado não agravar os riscos, comprovar o sinistro perante o segurador e pagar pelo prêmio. De outra forma, cabe ao segurador pagar a contraprestação referente ao prejuízo resultante do risco assumido e o valor da coisa segurada. Disse ainda que a seguradora tentou se eximir da responsabilidade, alegando ausência de documentação da propriedade do bem. Em seu voto, o magistrado evocou o teor do artigo 47 do Código de Defesa do Consumidor, que cita que a interpretação dos contratos, em caso de obscuridade, deve ser feita de maneira mais favorável ao consumidor. Destacou ainda o artigo 51, inciso 4º, que proíbe cláusulas abusivas e desvantajosas ao consumidor.

Concluiu o julgador que tendo o autor providenciado a documentação requerida, contribuiu para a solução do processo do sinistro, cumprindo o ônus que lhe competia, devendo ser indenizado no valor do bem segurado. Ao valor supra-citado cabe atualização monetária desde a data do sinistro, acrescida de juros legais, devidos a partir da citação. A seguradora também deve pagar custas processuais e honorários advocatícios, fixados em 20% sobre o valor da condenação.
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