quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Supremo deve derrubar posse imediata de novos vereadores - postagem de Luiz Carlos Nogueira

Brasília, 03/11/2009 - O Supremo Tribunal Federal (STF) será palco, na próxima quinta-feira, de mais uma batalha na guerra que os poderes Legislativo e Judiciário travam nos últimos anos em torno de questões político-eleitorais. O tribunal decidirá se as câmaras municipais Brasil afora darão à luz quase oito mil vagas de vereador imediatamente ou se as cadeiras só nascerão nas próximas eleições municipais, em 2012.

Os ministros julgam a Emenda Constitucional 58/09, conhecida como a PEC dos Vereadores, que criou 7.623 vagas no Legislativo dos municípios com caráter retroativo. Ou seja, pela emenda, os novos vereadores devem tomar posse já. Mas a regra, que já está suspensa por liminar concedida pela ministra Cármen Lúcia, deve ser derrubada no julgamento do Supremo.

Duas ações, propostas pela Ordem dos Advogados do Brasil e pela Procuradoria Geral da República, contestam a retroatividade da emenda. As duas instituições entraram na Justiça depois que suplentes de vereadores passaram a tomar posse das vagas, com o aval da Justiça Eleitoral em alguns Estados.

Ao julgar matérias eleitorais em outras ocasiões, o tribunal mostrou que se deve respeitar o chamado princípio da anualidade, pelo qual qualquer alteração do processo eleitoral tem de ser feita, no mínimo, um ano antes do dia das eleições. O prazo é previsto no artigo 16 da Constituição Federal. O exemplo mais recente dessa posição do tribunal se deu em 2006, quando foi mantida a regra da verticalização partidária.

Na ocasião, a Emenda Constitucional 52, aprovada em março de 2006, acabou com a obrigação de os partidos seguirem, em âmbito estadual, as alianças e coligações feitas em nível federal. Mas a regra não surtiu efeito imediato e só valerá para 2010, de acordo com decisão tomada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e confirmada, depois, pelo STF. É neste ponto que a discussão se assemelha muito com o julgamento da PEC dos Vereadores.

"Se uma emenda promulgada sete meses antes não valeu para as eleições seguintes, imagine uma criada um ano depois, como é o caso do aumento do número de vereadores", afirma o advogado eleitoral Ricardo Penteado. Ele alerta, ainda, que se a emenda fosse válida, não poderia ser dada posse aos suplentes, conforme a interpretação que a Justiça Eleitoral em algumas cidades vem fazendo da regra. Neste caso, deveria ser recalculado o coeficiente eleitoral, o que alteraria, em muitos casos, boa parte da composição das câmaras municipais.

Como no caso da verticalização, a previsão de que o aumento do número de cadeiras de vereador não vigoraria imediatamente foi alvo de deliberação do TSE. Há dois anos, o tribunal eleitoral respondeu consulta sobre o tema feita pelo deputado Gonzaga Patriota (PSB-PE). Pelo entendimento do TSE, para valer, a emenda deveria ser aprovada antes do início do processo eleitoral. "Ou seja, o prazo final para a realização das convenções partidárias", decidiu o tribunal.

Ação e reação

A celeuma entre os poderes Legislativo e Judiciário em torno no número de vereadores no País nasceu em 2004, depois que TSE fixou quantas cadeiras cada município deve ter, com base em sua população. A Resolução 21.702/04 do tribunal eleitoral provocou o corte de quase 8,5 mil vagas de vereador país afora.

A redução foi contestada no Supremo, por meio de ações diretas de inconstitucionalidade ajuizadas pelo PP e pelo PDT. Em vão. O STF manteve a regra definida pelo TSE. Foi, então, apresentada no Congresso Nacional a PEC dos Vereadores, que agora virou a Emenda Constitucional 58 e recompôs a maior parte das cadeiras cortadas pela Justiça em 2004.

No julgamento da próxima quinta-feira, o STF deve impedir que a regra valha desde já. Mas não alterará o novo número de vereadores, cerca de 58 mil em todo o País, já que nenhuma das ações ajuizadas contesta o aumento. De acordo com Oswaldo Pinheiro Ribeiro Júnior, que representa a OAB, o que se contesta é "apenas a retroatividade da posse, porque bagunça uma eleição que já terminou e fere a vontade do eleitor". Para a OAB, o aumento do número de cadeiras, passando a valer em 2012, legitima e potencializa a participação popular. (A matéria é de autoria do repórter Rodrigo Haidar, iG Brasília

Fonte: Site do Conselho Federal da OAB: http://www.oab.org.br/noticia.asp?id=18374

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Vagas de garagem (autônomas ou acessórias) são temas de decisões do STJ - postada por Luiz Carlos Nogueira

01/11/2009 - 10h00


ESPECIAL


Autônomas ou acessórias, vagas de garagem são temas de decisões do STJ


As questões referentes às vagas de garagem sempre geram polêmica e são, ainda hoje, motivo de conflitos. Vaga de garagem pode ser penhorada? Pode ser vendida ou alugada para um outro condômino? Como o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem decidido sobre estas e outras questões relacionadas às vagas de garagem?


Há dois tipos de vaga de garagem. A vaga acessória é um bem imóvel acessório ao principal (apartamento ou casa), com uma única matrícula no registro imobiliário. A certidão do registro de imóveis determina a área total, composta da área útil (a do interior da unidade), a área da vaga de garagem e uma porcentagem da área comum. Nesses casos, pode acontecer de a vaga estar situada em local indeterminado.


Já na unidade autônoma, a vaga de garagem é um bem imóvel separado do apartamento ou da casa. Ou seja, há duas matrículas: uma do apartamento ou casa e outra da vaga de garagem. Normalmente, ela está situada em local determinado, com descrição de seu tamanho e limites.


Penhora da vaga


A penhora é a apreensão judicial de bens para a satisfação de uma dívida. Uma casa ou apartamento pode ser um desses bens. E até a unidade autônoma entra nessa lista. O STJ reconhece a penhorabilidade das vagas de garagem.


Em um julgamento realizado pela Segunda Turma, os ministros decidiram que é possível a penhora de vaga de garagem que seja uma unidade autônoma, mesmo que relacionada a bem de família, quando possuir registro e matrícula próprios. O caso envolvia débitos em tributos com a União (Resp 1057511).


A Quarta Turma também analisou a questão, mas pela ótica do Direito Privado. Para a Turma, o boxe de estacionamento, identificado como unidade autônoma em relação à residência do devedor, tendo matrícula própria no registro de imóveis, não se enquadra na hipótese prevista no artigo 1º da Lei n. 8.009/90 (impenhorabilidade do bem de família), sendo, portanto, penhorável (Resp 876011).


Alienação


A alienação (transferência para outra pessoa de um bem ou direito) é outro caso bem discutido na Casa. São frequentes processos que discutem se o condômino pode alugar ou vender a sua vaga para quem ele bem entender. A polêmica está relacionada ao aumento de número de carros nas ruas, poucos estacionamentos e, principalmente, à segurança.


Em julgamento realizado pela Terceira Turma, os ministros destacaram que, como direito acessório, a vaga de garagem adere à unidade, sendo, contudo, desta destacável para efeito de sua cessão a outro condômino. Para eles, apesar de a vaga ser bem acessório à unidade condominial, é admissível a sua transferência para outro apartamento do mesmo prédio (Resp 954861). A mesma regra vale, consequentemente, para sua locação.


Retificação


Já em outro julgamento, o STJ teve que decidir sobre a retificação do registro mobiliário de um apartamento para que dele constasse a localização do boxe de garagem anteriormente vinculada àquele imóvel. No caso, um casal adquiriu o apartamento (n. 122) de um edifício residencial de São Paulo e a respectiva vaga de garagem (n. 11).


Quando os novos proprietários tentaram ocupar a vaga, constataram que a esta estava ocupada pelo carro de uma vizinha. De acordo com o casal, a identificação das vagas no subsolo foi alterada, transferindo a vaga 11, que é sensivelmente maior, para o apartamento 121 e deixando o apartamento dela (122) com a vaga 9. A disputa entre os vizinhos acabou chegando no STJ. A Quarta Turma ao analisar a questão determinou a devolução da vaga de garagem para a antiga proprietária e condenou a moradora do apartamento 121, que adulterou o número do boxe, ao pagamento de uma indenização pelo uso indevido da vaga (Resp 100765).


Preço de imóvel e tamanho do boxe


O Tribunal da Cidadania teve que decidir um caso curioso, no qual dois compradores de um apartamento pediram o abatimento de R$ 15 mil do preço do valor do imóvel porque na vaga de garagem cabia apenas um carro pequeno.


Os compradores alegaram que, após a aquisição, mas antes do pagamento total, alugaram o imóvel. No entanto, o preço do aluguel teve que ser reduzido, já que o carro do locatário não cabia na vaga de garagem referente ao apartamento. Diante da constatação, os compradores recorreram à Justiça exigindo do antigo proprietário a redução do valor a ser pago pelo imóvel. Além disso, pediram indenização por perdas e danos em razão da redução do valor do aluguel.


O STJ não atendeu ao pedido dos compradores e manteve decisão de primeiro e segundo graus. Para a Corte, como a vaga estava devidamente escriturada, existindo jurídica e fisicamente, não cabe a pretensão de abatimento do preço do imóvel residencial (Resp 488297).


Extinção de vaga de garagem


Mesmo sabendo que é na reunião de condomínio que são tomadas as decisões importantes a respeito do prédio, muitos condôminos não vão à assembléia. Por essa razão, acabam ficando de fora do que foi decidido sem poder dar seu voto ou opinião. E foi isso o que aconteceu num condomínio em São Paulo.


Os moradores do prédio realizaram assembléia e, por maioria, decidiram extinguir oito vagas de garagem do condomínio, sob alegação de que a quantidade total não era comportada no espaço físico disponível. Um banco, alegando ser proprietário de nove vagas de garagem, devidamente registradas em matrículas próprias, recorreu à Justiça. Após decisão de segunda instância, mantendo a extinção dos boxes, o caso chegou ao STJ. O banco afirmou que não bastaria a aprovação dos presentes na assembléia, sendo imprescindível a concordância de todos os prejudicados com a mudança.


Ao julgar o caso, a Quarta Turma destacou que é vedado à assembléia de condomínio extinguir vagas de garagem que têm matricula própria e pertencem a um dos condôminos ausentes à reunião. Os ministros anularam a assembléia e restabeleceram o número de vagas anterior à reunião de condomínio.


Fonte: Coordenadoria de Editoria e Imprensa do STJ:

http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=94445


A notícia acima refere-se aos seguintes processos:
(Clique nos números para ver as decisões)


Resp 1057511

Resp 876011

Resp 954861

Resp 100765

Resp 488297

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Farmácias não podem vender mercadorias variadas - Decisão do STJ - Informação postada por Luiz Carlos Nogueira

16/10/2009 - 08h05


DECISÃO


Farmácias não podem vender mercadorias variadas


Fonte: Coordenadoria de Editoria e Imprensa do Superior Tribunal de Justiça

Confiram clicando neste link:

http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=94243

Superior Tribunal de Justiça
Revista Eletrônica de Jurisprudência

Farmácias e drogarias estão impossibilitadas de comercializar mercadorias diversas daquelas previstas na Lei n. 5.991/73, que trata do controle sanitário do comércio de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos, sob pena de violação do princípio da legalidade. O entendimento foi confirmado pela Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em recurso ajuizado pelo município de Fortaleza contra acórdão do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE).


O caso em questão envolve a Empreendimentos Pague Menos Ltda, proprietária da maior rede de farmácias do estado e que, segundo o município, comercializa indevidamente em seus estabelecimentos discos, fitas de vídeo e de som, refrigerantes, máquinas fotográficas, massas alimentícias, balas e chocolates, entre outros produtos.


O tribunal cearense entendeu que, como o ordenamento jurídico não veda expressamente a comercialização de produtos diversos em dependências de farmácias e drogarias, tal proibição ofende os princípios constitucionais da liberdade de atividade econômica e da livre concorrência. Para o TJCE, a comercialização de produtos diversos é uma tendência moderna que não gera prejuízos ou ofensa ao interesse público.


A relatora do processo no STJ, ministra Eliana Calmon, discordou de tal entendimento. Citando vários precedentes, ela ressaltou que farmácias e drogarias só estão legalmente autorizados a comercializar drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos. Seu voto foi acompanhado por unanimidade.

Para conferir o acórdão, clique no link:

https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=918412&sReg=200900069507&sData=20091019&formato=HTML

RECURSO ESPECIAL Nº 1.116.729 - CE (2009⁄0006950-7)

RELATORA

:

MINISTRA ELIANA CALMON

RECORRENTE

:

MUNICÍPIO DE FORTALEZA

PROCURADOR

:

DÉBORA CORDEIRO LIMA LOIOLA E OUTRO(S)

RECORRIDO

:

EMPREENDIMENTOS PAGUE MENOS LTDA

ADVOGADO

:

JOSÉ MARIA RIOS

EMENTA

ADMINISTRATIVO - FARMÁCIAS E DROGARIAS - COMERCIALIZAÇÃO DE PRODUTOS (DISCOS, FITAS DE VÍDEO E DE SOM, REFRIGERANTES, MÁQUINAS FOTOGRÁFICAS, MASSAS ALIMENTÍCIAS, BALAS, CHOCOLATES) - ATO VINCULADO - PRINCÍPIO DA LEGALIDADE - LEI N. 5.991⁄73 - MERCADORIAS NEGOCIÁVEIS NESSES ESTABELECIMENTOS - RESTRIÇÃO LEGAL - APLICABILIDADE.

1. As farmácias e drogarias estão impossibilitadas de comercializar mercadorias diversas daquelas previstas na Lei 5.991⁄73. Precedentes.

2. Recurso especial provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça "A Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a)." Os Srs. Ministros Castro Meira, Humberto Martins, Herman Benjamin e Mauro Campbell Marques votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Brasília-DF, 06 de outubro de 2009(Data do Julgamento)

MINISTRA ELIANA CALMON

Relatora

RECURSO ESPECIAL Nº 1.116.729 - CE (2009⁄0006950-7)

RECORRENTE

:

MUNICÍPIO DE FORTALEZA

PROCURADOR

:

DÉBORA CORDEIRO LIMA LOIOLA E OUTRO(S)

RECORRIDO

:

EMPREENDIMENTOS PAGUE MENOS LTDA

ADVOGADO

:

JOSÉ MARIA RIOS

RELATÓRIO

EXMA. SRA. MINISTRA ELIANA CALMON: - Trata-se de recurso especial manifestado pelo MUNICÍPIO DE FORTALEZA, com fundamento nas letras "a" e "c" do permissivo constitucional, contra acórdão assim ementado (fls. 116⁄117):

APELAÇÃO CÍVEL E REMESSA OFICIAL - AÇÃO CAUTELAR - FARMÁCIA - COMERCIALIZAÇÃO DE PRODUTOS DIVERSOS - POSSIBILIDADE - INEXISTÊNCIA DE OFENSA À LEI 5.991⁄73 - OFENSA AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA LIBERDADE DE ATIVIDADE ECONÔMICA E DA LIVRE CONCORRÊNCIA - RECURSOS CONHECIDOS, MAS NÃO PROVIDOS.
I- Não é expressamente proibida no ordenamento jurídico pátrio a comercialização de produtos diversos em dependências de farmácias e drogarias, sendo uma tendência moderna, em verdade, a comercialização de produtos diversos em muitos estabelecimentos, sem que tal ocasione prejuízo ou ofensa ao interesse público, posto que facilita a vida das pessoas.

II- A interdição e apreensão dos produtos vendidos pela apelada representa impedimento ao exercício da sua atividade comercial, causando-lhe danos irreparáveis, o que, inclusive, constitui ofensa aos princípios constitucionais da liberdade de atividade econômica e da livre concorrência, inserto no art. 170 da CF⁄88, de acordo com o qual "é assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização dos órgãos públicos, salvo nos casos previsto em lei".


III- Se a Lei nº 5.991⁄73 foi modificada, passando a permitir que simples lojas de conveniências e drugstores, além dos supermercados, armazéns e empórios, passassem a operar na distribuição comercial de medicamentos anódicos, não haveria obstáculo para que, mutatis mutandis, farmácias e drogarias, pudessem, analogicamente, vender produtos autorizados àqueles estabelecimentos.


IV- Recursos conhecidos, mas desprovidos.

Foram opostos embargos de declaração, ao final rejeitados.

No recurso especial, busca o recorrente a reforma do acórdão recorrido, asseverando violação dos artigos 4º, X e XI, 21 e 55 da Lei 5.991⁄73, bem como divergência interpretativa, ao fundamento de que não é possível as farmácias e drogarias comercializarem mercadorias variadas, pois as farmácias são estabelecimentos legalmente autorizados a comercializarem apenas drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos. Assevera que discos, fitas de vídeo e de som, refrigerantes, máquinas fotográficas, massas alimentícias, balas, chocolates, leite em pó etc não se enquadram nesses.

Requer, assim, seja provido o recurso especial a fim de impedir que farmácias e drogarias comercializem mercadorias variadas, porquanto essa possibilidade não encontra amparo na Lei 5.991⁄95.

Contra-razões não apresentadas.

O recurso especial foi admitido no Tribunal a quo, subindo os autos a esta Corte, vindo a mim conclusos.

É o relatório.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.116.729 - CE (2009⁄0006950-7)

RELATORA

:

MINISTRA ELIANA CALMON

RECORRENTE

:

MUNICÍPIO DE FORTALEZA

PROCURADOR

:

DÉBORA CORDEIRO LIMA LOIOLA E OUTRO(S)

RECORRIDO

:

EMPREENDIMENTOS PAGUE MENOS LTDA

ADVOGADO

:

JOSÉ MARIA RIOS

VOTO

EXMA. SRA. MINISTRA ELIANA CALMON: - Este Tribunal firmou o entendimento de que as farmácias e drogarias estão impossibilitadas de comercializar mercadorias diversas daquelas previstas na Lei 5.991⁄73, sob pena de violação do princípio da legalidade, em decorrência do disposto nos seguintes dispositivos dessa Lei que trata do controle sanitário do comércio de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos.

Art. 4º - Para efeitos desta Lei, são adotados os seguintes conceitos:

(....)

X - Farmácia - estabelecimento de manipulação de fórmulas magistrais e oficinais, de comércio de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos, compreendendo o de dispensação e o de atendimento privativo de unidade hospitalar ou de qualquer outra equivalente de assistência médica;

XI - Drogaria - estabelecimento de dispensação e comércio de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos em suas embalagens originais;

(....)

XX- Loja de conveniência e "drugstore" - estabelecimento que, mediante auto-serviço ou não, comercializa diversas mercadorias, com ênfase para aquelas de primeira necessidade, dentre as quais alimentos em geral, produtos de higiene e limpeza e apetrechos domésticos, podendo funcionar em qualquer período do dia e da noite, inclusive nos domingos e feriados;

(....)

Art. 21 - O comércio, a dispensação, a representação ou distribuição e a importação ou exportação de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos será exercido somente por empresas e estabelecimentos licenciados pelo órgão sanitário competente dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, em conformidade com a legislação supletiva a ser baixada pelos mesmos, respeitadas as disposições desta Lei.

(....)

Art. 55 - É vedado utilizar qualquer dependência da farmácia ou da drogaria como consultório, ou outro fim diverso do licenciamento.

Assim, esses estabelecimentos, que atuam vinculados à orientação legal, devem restringir o seu comércio a drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos.

Nesse sentido os seguintes precedentes:

ADMINISTRATIVO. COMERCIALIZAÇÃO POR FARMÁCIAS E DROGARIAS DE "ALIMENTOS CORRELATOS" LIGADOS À SAÚDE E AO BEM-ESTAR DAS PESSOAS . ENQUADRAMENTO NO ART. 4º, INCISO IV, DA LEI FEDERAL 5.991⁄73. POSSIBILIDADE. RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO.

1. Os produtos comercializados pela recorrida se encartam na definição dada pela legislação de regência (art. 4º, IV, da Lei 5.991⁄73) e reconhecida pelo acórdão recorrido a respeito dos "produtos correlatos" que podem ser comercializados por farmácias e drogarias. Referem-se a produtos preponderantemente ligados á proteção à saúde e ao bem-estar das pessoas, tais como leite em pó, alimentos para crianças e produtos dietéticos. Portanto, pela análise do caso concreto, o acórdão atacado não contraria a Lei Federal citada ou tampouco lhe nega de vigência.

2. Também não deve prevalecer o recurso especial manejado com base na existência de dissidio jurisprudencial, pelo fato de que os precedentes invocados não guardam a similitude fática necessária ao respaldo da irresignação.

3. Recurso especial não provido.

(REsp 1105031⁄SP, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, DJe 31⁄08⁄2009)

ADMINISTRATIVO - FARMÁCIAS E DROGARIAS - COMERCIALIZAÇÃO DE ALIMENTOS - IMPOSSIBILIDADE.

1. É remansoso nesta Corte o entendimento de que é vedada a comercialização de alimentos em drogarias e farmácias, por se tratarem de produtos que não se enquadram no conceito de "produtos correlatos" previsto na Lei 5.991⁄73.

2. Recurso especial provido.

(REsp 1104974⁄AM, de minha relatoria, SEGUNDA TURMA, julgado em 24⁄03⁄2009, DJe 23⁄04⁄2009)

ADMINISTRATIVO. DROGARIAS E FARMÁCIAS. UTILIZAÇÃO PARA FINS DIVERSOS DO PREVISTO NO LICENCIAMENTO. ART. 55 DA LEI 5.991⁄1973. IMPOSSIBILIDADE.

1. O comércio de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos é atividade precípua de farmácias e drogarias, que estão proibidas de utilizar suas dependências para fins diversos do previsto no licenciamento (art. 55 da Lei 5.991⁄1973), tais como recebimento de contas de água, luz, telefone e de faturas bancárias . Precedentes do STJ.

2. Agravo Regimental não provido.

(AgRg no REsp 1058706⁄SE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe 19⁄03⁄2009)

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. DROGARIA. COMERCIALIZAÇÃO DE PRODUTOS DIVERSOS DE MEDICAMENTOS (ALIMENTOS). IMPOSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. LEI FEDERAL 5.991⁄73. PRECEDENTES. DESPROVIMENTO

.

1. Loja de conveniência e drugstore pode comercializar diversas mercadorias, com ênfase para aquelas de primeira necessidade, como alimentos em geral, produtos de higiene e limpeza e utensílios domésticos. Já as farmácias e drogarias, por sua vez, são estabelecimentos que só estão legalmente autorizados a comercializar drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos (Lei 5.991⁄73, art. 4º, X, XI e XX).

2. A licença para funcionamento de farmácia ou drogaria constitui ato de natureza vinculada, de modo que é vedada a utilização das dependências desses estabelecimentos para fim diverso do previsto no licenciamento (Lei 5.991⁄73, arts. 21 e 55). Portanto, não há plausibilidade jurídica na utilização desses estabelecimentos para vender alimentos ou utilitários domésticos.

3. "Não se enquadra na delimitação legal das atividades de farmácia o comércio de produtos alimentícios. Estes não podem ser considerados 'produtos correlatos', pois 'correlato', para a Lei n.º 5.991⁄73, é 'a substância, produto, aparelho ou acessório não enquadrado nos conceitos anteriores, cujo uso ou aplicação esteja ligado à defesa e proteção da saúde individual ou coletiva, à higiene pessoal ou de ambientes, ou a fins diagnósticos e analíticos, os cosméticos e perfumes, e, ainda, os produtos dietéticos, óticos, de acústica médica, odontológicos e veterinários' (art. 4.º, IV). Nesse contexto, é vedado, nas farmácias e drogarias, o comércio de outros produtos que não aqueles previstos na lei citada. Precedentes: REsp. n.º 605.696⁄BA, Rel.

Min. DENISE ARRUDA, DJ de 24⁄4⁄2006, p. 359 e AgRg no Ag. n.º 299.627⁄SP, Rel. Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, DJ de 13⁄9⁄2004, p. 191" (REsp 881.067⁄ES, 1ª Turma, Rel. Min. Francisco Falcão, DJ de 29.3.2007).

4. Agravo regimental desprovido.

(AgRg no REsp 747.063⁄SC, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 06⁄11⁄2007, DJ 29⁄11⁄2007 p. 177)

Com essas considerações, dou provimento ao recurso especial, invertendo os ônus da sucumbência.

É o voto.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

SEGUNDA TURMA

Número Registro: 2009⁄0006950-7

REsp 1116729 ⁄ CE

Números Origem: 1999079981 2000001457676 20000014576762 9702174759

PAUTA: 06⁄10⁄2009

JULGADO: 06⁄10⁄2009



Relatora

Exma. Sra. Ministra ELIANA CALMON

Presidente da Sessão

Exmo. Sr. Ministro HUMBERTO MARTINS

Subprocuradora-Geral da República

Exma. Sra. Dra. MARIA CAETANA CINTRA SANTOS

Secretária

Bela. VALÉRIA ALVIM DUSI

AUTUAÇÃO

RECORRENTE

:

MUNICÍPIO DE FORTALEZA

PROCURADOR

:

DÉBORA CORDEIRO LIMA LOIOLA E OUTRO(S)

RECORRIDO

:

EMPREENDIMENTOS PAGUE MENOS LTDA

ADVOGADO

:

JOSÉ MARIA RIOS

ASSUNTO: DIREITO ADMINISTRATIVO E OUTRAS MATÉRIAS DE DIREITO PÚBLICO - Atos Administrativos - Infração Administrativa - Apreensão

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia SEGUNDA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

"A Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a)."

Os Srs. Ministros Castro Meira, Humberto Martins, Herman Benjamin e Mauro Campbell Marques votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Brasília, 06 de outubro de 2009

VALÉRIA ALVIM DUSI

Secretária

Documento: 918412

Inteiro Teor do Acórdão

DJ: 19/10/2009

domingo, 5 de julho de 2009

EXTINÇÃO DE CONTRATOS POR ONEROSIDADE EXCESSIVA: Uma possibilidade de resposta às partes e uma delimitação de poderes ao juiz?

SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO; 2. EXTINÇÃO DE CONTRATOS; 3. DEFININDO A TEORIA DA IMPREVISÃO ENTRE OUTRAS COISAS; 4. RESOLUÇÃO POR ONEROSIDADE EXCESSIVA; 5. INTEGRAÇÃO DE CONTRATOS; 6. CONCLUSÃO; 7. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA.

I. Introdução.

O tema proposto para este artigo, vem despertar nosso interesse por produzir uma sensação teórica de esperança, uma vez que nos confronta com uma dualidade jurídica e até mesmo uma certa dialética contextual. O assunto sobre a Extinção de Contratos se mostra de per si um tanto inflexível e definitivo, até porque a extinção mesmo na vida tem uma conotação de término, de fim. É um resultado. Já a questão da onerosidade excessiva, não parece ser tão extática e sugere várias composições, que poderão produzir resultados variados. É, portanto, uma causa. Diante da causa: onerosidade excessiva podemos nos deparar com uma extinção de um contrato, uma resolução, mas não só isso. Também podemos nos deparar com um revisão ou uma integração dos contratos.

Diante disso, tomamos a liberdade de não só discorrer resumidamente sobre a extinção dos contratos propriamente dita, mas colocamos juntos os resultados provenientes desta causa única: a onerosidade excessiva, a fim de observar sucintamente estes fatos jurídicos. Além disso, nos atrevemos a analisar um pouco o efeito desta causa sobre a abrangência que nossa legislação civil conferiu ao juiz, no que diz respeito à sua liberdade de escolha ao agir, a fim de melhor conduzir as partes e dessa forma proteger e preservar o negócio jurídico.

Procuramos avançar paulatinamente nos conceitos, formas e causas de extinção de contratos, a onerosidade excessiva, a extrema vantagem que ela pode produzir, a resolução, a revisão e a integração dos contratos, e a delegação jurisdicional conferida ao magistrado que se depara diante de uma situação de onerosidade excessiva.

Assim, esperamos poder aprender, além dos conceitos teóricos do direito, que os fatos jurídicos exigem dedicação e esmero de apreciação face as suas variadas possibilidades, a exemplo de um médico que diante de um grave problema terminal pode ter esperança em outras opções, além de deixar seu indigente paciente, em nosso caso o contrato, morrer, se extinguir, sem tentar algo mais.

II. Extinção de Contratos

A maioria das coisas dinâmicas tem um começo, um meio e um fim. A extinção de um contrato é o seu fim, embora ainda possam perdurar seus efeitos. O novo Código Civil estipulou, de modo didático, quatro formas de extinção dos contratos: o distrato, a cláusula resolutiva, a exceção do contrato não cumprido e a resolução por onerosidade excessiva. Cabe ressaltar que há uma diferença entre as formas descritas no Código Civil e as causas que ocasionam a extinção dos contratos. Embora todas sejam causas, elas podem ser contemporâneas ou supervenientes, ou seja, elas podem já existir no momento da criação e celebração do contrato ou sobrevirem após a sua formação. Em sua didática própria, o Prof. Gilson Cunha, descreve entre as causas contemporâneas: o direito de arrependimento, a execução do contrato por cláusula expressa de obrigação não cumprida e, a nulidade. Entre as causas supervenientes: a resilição unilateral e bilateral, a resolução involuntária e, a voluntária por cláusula tácita.

Para o nosso tema de estudo o que nos interessa é a forma de extinção por onerosidade excessiva que faz parte das causas supervenientes de um contrato como a resolução involuntária descrita no artigo 478 do nosso atual Código Civil:

"Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação”.

Com tal redação consagrou o Código a Teoria da Imprevisão, segundo a qual, como veremos melhor a seguir, havendo fato superveniente que traga vantagem excessiva para apenas uma das partes, o contrato poderá ser rescindido, desde que tal fato seja extraordinário e de difícil ou impossível previsão. É a cláusula "rebus sic stantibus", pela qual a relação jurídica deve ser mantida enquanto perdurar a situação fática que originalmente a ensejou.

III. DEFININDO a Teoria da Imprevisão ENTRE OUTRAS COISAS.

Na língua portuguesa o adjetivo imprevisto significa: algo súbito, aquilo que não se prevê, que é inesperado. Daí o substantivo imprevisão indica a falta de previsão. Na esfera jurídica, na especialidade civil dos Contratos, o termo está contido na teoria de prática relativamente atual denominada de Teoria da Imprevisão.

De forma resumida, podemos conceituar a Teoria da Imprevisão como consistindo no reconhecimento de que a ocorrência de acontecimentos novos, imprevisíveis pelas partes que firmaram um contrato de longo termo, e, a elas não-imputáveis (os referidos acontecimentos), refletindo sobre a economia ou a execução do contrato, autorizam, como exceção, sua revisão, para ajustá-lo às circunstâncias supervenientes. Assim, a epígrafe que rege esta teoria, rebus sic stantibus, pode ser lida como "estando as coisas assim" ou "enquanto as coisas estão assim". Esta deriva da fórmula: contractus qui habent tractum sucessivum et dependentium de futuro rebus sic stantibus intelliguntur (os contratos que têm trato sucessivo ou dependência do futuro, entendem-se condicionados pela manutenção do atual estado das coisas), de Nerácio, cláusula do direito canônico. Indicando que, se as coisas de forma inesperada e imprevisível mudam, elas podem ou devem ser alteradas.

São pressupostos da Teoria da Imprevisão: primeiro, a alteração radical no ambiente objetivo existente ao tempo da formação do contrato, decorrente de circunstâncias imprevistas e imprevisíveis, é o fato superveniente; segundo, onerosidade excessiva para o devedor e não compensada por outras vantagens auferidas anteriormente, ou ainda esperável, diante dos termos do ajuste; e por último, o enriquecimento inesperado e injusto para o credor, como conseqüência direta da superveniência imprevista. São esses acontecimentos supervenientes que alteram profundamente a economicidade do contrato, de tal forma perturbando o seu equilíbrio, como inicialmente estava fixado, que torna certo que as partes jamais contratariam se pudessem ter podido antes antever esses fatos. Se, em tais circunstâncias, o contrato fosse mantido, redundaria num enriquecimento anormal, em benefício do credor, determinando um empobrecimento da mesma natureza, em relação ao devedor. Conseqüentemente, a imprevisão tende a alterar ou excluir a força obrigatória desse tipo de contrato.

Cremos que o atual maior uso da Teoria da Imprevisão se deve ao entendimento amadurecido da sociedade como um todo, representada pelo judiciário que passou a dar prioridade ao justo equilíbrio entre as partes de um negócio jurídico, ressaltando, assim, a função social do contrato, princípio conectado ao da autonomia da vontade. Também nossa Constituição Federal, em especial nos arts. 1º, 170, e 5º, XXXV, não fecha os olhos para um contrato em que impere o desequilíbrio, a ausência de boa fé e eqüidade, a vantagem exagerada de um dos contraentes e o prejuízo acentuado do outro, mesmo nas relações firmadas entre particulares que continuam a ser reguladas pelo Código Civil Brasileiro.

A revisão dos contratos despertou o mundo jurídico após a Primeira Guerra Mundial, de 1914, diante de exorbitante depreciação da moeda, que provocou um desequilíbrio nas prestações relativas aos contratos de trato sucessivo. As partes prejudicadas pediam então. A revisão dos pactos ou a sua resolução (PLANIOL, 1987. vol. IV, p. 294).

Além do art. 478 do CC, já citado, a Teoria da Imprevisão também se acha consagrada no art. 317 do Código Civil, como segue:

Art. 317: “Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quando possível, o valor real da prestação”.

Como se vê, a lei permite que o juiz, diante da desproporção entre o valor da dívida e o da execução, decorrente de fatores imprevisíveis, a devida correção, desde que requerida pela parte.

Assim, a prática da Teoria da Imprevisão vem para proteger o bem comum, o equilíbrio contratual, a igualdade entre as partes e a certeza de que o interesse particular não predominará sobre o social. Por fim, como vimos, a Teoria da Imprevisão, caracteriza-se por ser um dos instrumentos de socialização do contrato, na medida em que, por imperativo de eqüidade, permite o restabelecimento do equilíbrio negocial injustamente violado por força de um acontecimento imprevisível, em nosso caso, onerosidade excessiva, representando um avanço e não um retrocesso na ação legislativa nacional.

IV. RESOLUÇÃO POR ONEROSIDADE EXCESSIVA.

O mestre Orlando Gomes define a resolução como o remédio jurídico concedido à parte para romper o vinculo contratual mediante ação judicial, quando a outra parte procede a inexecução da obrigação. Entre nós a resolução também é chamada de rescisão contratual (GOMES, 1993. p. 199). A onerosidade excessiva da prestação é apenas obstáculo ao cumprimento da obrigação. Não se trata, portanto, de inexecução por impossibilidade, mas de extrema dificuldade. Contudo, não se pode dizer que é voluntária a inexecução por motivo de excessiva onerosidade. Mas, precisamente porque não há impossibilidade, a resolução se realiza por motivo diverso. Para a resolução de contrato é preciso, em primeiro lugar, que seja excessiva a diferença de valor do objeto da prestação entre o momento de sua perfeição e o da execução. A onerosidade há de ser objetivamente excessiva, isto é, a prestação não deve ser excessivamente onerosa apenas em relação ao devedor, mas a toda e qualquer pessoa que se encontre em sua posição. Não basta, porém, que a prestação se tenha agravado exageradamente. É preciso que a onerosidade tenha sido determinada por acontecimentos extraordinários e imprevisíveis. Somente nessa conseqüência interessa aqui examinar a onerosidade excessiva. Como já vimos, outra solução pode ser dada ao problema. Em vez de rescisão do contrato, atribui-se ao juiz o poder de intervir na economia do contrato para reajustar, em bases razoáveis as prestações recíprocas. Pode-se, ainda, favorecer o devedor com a alternativa de pedir a rescisão ou pleitear o reajustamento.

Este nosso tema diz respeito aos contratos comutativos e aos de execução continuada ou diferida, cujos efeitos se estendem, para alcançar o futuro. Não se tratando de contrato aleatório, em que as partes assumem conscientemente o risco, há de prevalecer o equilíbrio entre a prestação e a contraprestação, enquanto perdurar o vínculo. Ao emitirem o seu consentimento, as partes consideram o conjunto de circunstâncias existentes, fazendo ainda as suas previsões quanto ao futuro, mas de acordo com as projeções lógicas e razoáveis do presente. As partes se obrigam tendo em vista o quadro da realidade, que envolve o presente e suas perspectivas. Se fatos novos e imprevisíveis alteram, substancialmente, as condições do contrato, impondo ônus excessivo a uma das partes, o Código Civil nos artigos de 478 a 480, oferece ampla e variada forma de proteção à parte prejudicada, compreendendo as possibilidades de resolução dos contratos, reequacionamento das condições, espontaneamente pelas partes, redução judicial das prestações devidas ou alterações na forma de pagamento.

Pela regra do artigo 478, a parte prejudicada com a onerosidade excessiva poderá requerer judicialmente a resolução do contrato. Ficará sob a sua responsabilidade a prova da caracterização da excessiva onerosidade, a indicação dos fatores desencadeantes da desproporção entre as condições existentes no momento do contrato e à época da execução e a imprevisibilidade das mudanças ocorridas. A sentença que julgar procedente o pedido produzirá efeitos retroativos à data da citação. O réu poderá, em sua contestação, impedir a resolução, devendo para tanto, oferecer-se para o reequacionamento justo das condições do contrato, conforme deixa claro o art. 479.

Quando apenas uma das partes possuir obrigações, poderá requerer a revisão do débito, visando a sua redução ou a mudança da forma de pagamento, a fim de evitar a onerosidade excessiva. É o que diz o artigo 480, que se aplica aos contratos unilaterais.

A sentença judicial que resolve um contrato por excessiva onerosidade produz entre as partes, efeito retroativo. Em se tratando de contrato de execução única e diferida, extingue-se, voltando as partes à situação anterior, pelo que haverá restituição, tal como nos casos de resolução decorrentes das outras causas, mas se o contrato é de execução continuada ou periódica, as prestações satisfeitas não são atingidas, pois se consideram exauridas.

A onerosidade excessiva é causa de resolução que se aproxima muito mais da inexecução involuntária do que da voluntária. Como aquela, não dá lugar a perdas e danos, de modo que não fazem jus a qualquer indenização a parte que teria vantagem com a execução do contrato. O outro contratante exonerou-se de suas obrigações como se seu cumprimento se tornara impossível.

V. Integração de Contratos.

Entenda-se por integração de contratos uma regulamentação suplementar por lacuna na declaração de vontades das partes que deixaram de regulamentar inteiramente seus interesses. A lei civil atual nada dispõe e não autoriza a integração do contrato pelo juiz, mas apenas sua resolução, o que, certamente, é mais prejudicial para ambas as partes. Imagine-se, por hipótese, um contrato de compra e venda de um automóvel, a prazo, cujas prestações fossem fixadas conforme certa variação cambial. Nessa seqüência, suponha-se que a moeda americana tenha sofrido uma enorme valorização em razão de um plano do governo imprevisível e extraordinário, causando excessiva onerosidade para uma das partes e extrema vantagem para a outra. Nesse caso, a única solução a ser adotada pelo magistrado em eventual ação judicial proposta pelo devedor, seria a rescisão contratual, obrigando o devedor a devolver o bem, e o credor a restituir as parcelas pagas até o momento, abatendo-se a quantia necessária para ressarcir o tempo de uso do carro pelo devedor.

Essa não parece ser a solução mais prática, pois, e se o credor tivesse investido o dinheiro recebido até aquele momento, não tendo condições de devolvê-lo? Para essa questão o Código trouxe solução, prevista no artigo 479: "A resolução pode ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar eqüitativamente as condições do contrato."

Porém, no que tange ao devedor, tal desfecho não se aplica. Se, por exemplo, utilizasse o automóvel para trabalhar, teria grande prejuízo ao rescindir o contrato e devolver o bem, acaso o credor não concordasse com a redução das parcelas desproporcionais. Por muitas vezes, os encargos decorrentes de uma resolução contratual trazem conseqüências mais gravosas que a recomposição do equilíbrio contratual.

Embora o artigo 480 do Código Civil possibilite a redução da prestação ou alteração de sua execução, note-se que tal disposição só é válida para os contratos unilaterais, isto é, aqueles em que somente uma das partes tem obrigações, restringindo significativamente sua aplicação.

Nessas circunstâncias, há de se sublinhar que tais disposições não estão de acordo com a sistemática da nova codificação civil, que prima pela preservação do negócio jurídico e pela ampla liberdade do juiz, como se extrai, por exemplo, dos artigos 151, parágrafo único e 155 (coação); 156, parágrafo único (estado de perigo); 157, parágrafo 2º (lesão); 170 (simulação); 184 (validade do negócio jurídico); 317 (pagamento); 421 e 422 (disposições gerais sobre os contratos); 464 (contrato preliminar).

Os artigos 112 e 113 da mesma lei afirmam que os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a intenção das partes, a boa fé (leia-se a boa fé objetiva) e os usos do lugar de sua celebração, afastando-se a interpretação literal da linguagem, corroborando a tese de que é um código bem mais amplo, concedendo ao juiz livre movimentação para decidir da maneira mais justa sem afastar-se da lei. Esta a razão pela qual muitos denominam a legislação de "código do juiz".

VI. Conclusão.

Assim, esta breve exposição sobre as formas de extinção de contratos, nos dá uma conceituação clara a respeito das diferentes formas e destaca a importância da onerosidade excessiva, principalmente dentro do contexto jurídico atual.

Em seguida, percebemos que paralelamente ao desenvolvimento fático normativo, o nosso Código Civil perdeu uma oportunidade de ser ainda melhor, o que poderá ser alcançado no futuro, com respeito à questão de atribuir, além de às partes, ao juiz não só autonomia para resolver e revisar contratos, mas também produzir a sua integração em contratos em geral.

Ao deixar de atribuir ao juiz poderes de integração nos contratos em geral, tendência moderna que estava sendo trilhada ao dar poderes de resolver e revisar contratos por onerosidade excessiva, foi interrompida e fugiu também daquela orientada pelo Código de Defesa do Consumidor, o que criou diferentes pesos nos critérios.

Ademais, além de demonstrar um retrocesso ao vedar a integração do contrato pelo juiz, o Código Civil foi mais restritivo também ao exigir requisitos mais rígidos para resolver o contrato do que reclamam o Código de Defesa do Consumidor para revisá-lo ou modificar suas cláusulas. A lei de proteção ao consumidor, artigo 6o, inciso V, exige: fato superveniente, excessiva onerosidade e prestações desproporcionais (o que é conseqüência do segundo requisito). De outra banda, o novo Código Civil requer: fato extraordinário e imprevisível, prestação excessivamente onerosa e vantagem extrema para a outra parte.

Assim, percebemos pelo exposto, que não basta para o Código Civil de 2002, excessiva onerosidade, devendo haver, também, vantagem extrema para outra parte. Todavia, essa situação é inadmissível, já que a uma onerosidade excessiva nem sempre corresponde uma vantagem extrema. Exigir tais requisitos cumulativamente pressupõe igualdade econômica entre as partes, o que nem sempre é verdade. Pode ocorrer que um dos contratantes tenha menos recursos financeiros que o outro, de sorte que, sendo o devedor o menos abastado, o fato superveniente pode causar-lhe um ônus excessivo, mas não proporcionar uma vantagem extrema para o credor de mais posses.

Por fim, ainda na tentativa de demonstrar que o artigo 478 não se coaduna com a filosofia adotada pelo Código atual, deve-se atentar para o artigo 317 que se contrapõe a este. Desse modo, tem-se que nas obrigações em geral é lícito ao magistrado intervir na relação jurídica para diminuir o valor da prestação, mas não pode fazê-lo em relação a um contrato, o que seria um contra-senso, já que os contratos são espécies de obrigações.

É admissível que as disposições acerca dos contratos podem ser tidas como leis especiais, dentro do próprio Código, em relação àquelas que dispõem sobre obrigações, devendo, em tese, prevalecer tais regras especiais. Mas não se pode perder de vista que, ao analisar um código deve-se empregar todos os meios de interpretação de normas, atribuindo maior valor à interpretação sistemática, que considera o conjunto de regras em um único contexto, que ao brocardo "lex specialis derogat generalis".

Finalizamos concluindo que o artigo 478 do Código Civil de 2002 deve ser interpretado de modo amplo a fim de propiciar aos contratantes não só a resolução da avença, mas também para permitir ao juiz, acaso entenda justo e em conformidade com os princípios da eqüidade e da boa fé objetiva, a integração do contrato, seja para reduzir prestação excessivamente onerosa, seja para rever o contrato, sempre atendendo às necessidades de ambas as partes.

VII. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA.

AMATO, Juliana Silva. A onerosidade excessiva nos contratos do novo Código Civil e do Código de Defesa do Consumidor. Jus Navigandi, Teresina, a. 8, n. 294, 27 abr. 2004. Disponível em: . Acesso em: 26 mai. 2006 .

GAGLIANO, Pablo Stolze. Algumas considerações sobre a Teoria da Imprevisão. Jus Navigandi, Teresina, a.5, n.51, out.2001. Disponível em: . Acesso em: 28 mar. 2006 .

GOMES, Orlando. Contratos. 12ª ed. 6ª tiragem Rio de Janeiro, Forense. 1993. 592 p.

MARTINS, Francisco Serrano. A teoria da imprevisão e a revisão contratual no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor . Jus Navigandi, Teresina, a. 8, n. 327, 30 mai. 2004. Disponível em: . Acesso em: 28 mar. 2006

NADER, Paulo. Curso de Direito Civil. v.3: Contratos/Paulo Nader. – Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 730.

PLANIOL, Marcel, RIPERT, Georges, BOULNGER, Jean. Tratado de Derecho Civil. tradução Argentina, Buenos Aires: La Ley, 1987. tomos IV, V, VIII.

ZUNINO NETO, Nelson. Pacta sunt servanda x rebus sic stantibus: uma breve abordagem. Jus Navigandi, Teresina, a.3, n.31, mai.1999. Disponível em: . Acesso em: 28 mar. 2006 .


Texto confeccionado em Jul 1 2006 12:00AM, por
(1) José Lourenço Torres Neto

Atuações e qualificações
(1) Acadêmico de Direito na Faculdade Maurício de Nassau em Recife, PE.

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Indenização: erro judiciário e prisão indevida

Elaborado em 05.2004.

Juliana F. Pantaleão

advogada, pós graduanda em Direito Processual Penal pela Escola Paulista da Magistratura

Marcelo C. Marcochi

advogado, pós graduado em Direito Penal e pós graduando em Direito Processual Penal pela Escola Paulista da Magistratura, membro da Comissão de Direitos e Prerrogativas Criminais da Câmara Criminal da Ordem dos Advogados do Brasil – Secção São Paulo/Subsecção de Santos, Professor de Direito Penal e Processual Penal, membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais.

Noções Preliminares

"A lei não esgota o Direito, como a partitura não exaure a música" (1).

A Constituição Federal estabelece, no art. 5º, LXXV, que o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença, garantindo a tal dever, caráter de direito fundamental do cidadão.

Atualmente, inúmeros são os erros judiciários que, a nosso ver, não podem ser restritos à seara do direito penal, uma vez que a norma constitucional estabelece o dever do Estado de indenizar tanto o condenado por erro judiciário, quanto a pessoa que permanecer presa além do tempo fixado na sentença.

Ademais, conforme estabelece o art. 37, §6º da Carta Constitucional, o Estado é responsável pelos atos praticados pelos seus agentes que causem dano a terceiro, garantindo, assim, que qualquer prejuízo decorrente da atividade estatal, independentemente de caracterizar erro judiciário, será reparado pelo Estado.

Yussef Said Cahali afirma:

"A responsabilidade civil do Estado pelo erro judiciário representa o reforço da garantia dos direitos individuais.(...) impõe-se no Estado de Direito o reforço da garantia dos direitos individuais dos cidadãos, devendo ser coibida a prática de qualquer restrição injusta à liberdade individual, decorrente de ato abusivo da autoridade judiciária, e se fazendo resultar dela a responsabilidade do Estado pelos danos causados" (2).

Responsabilidade do Estado por atos jurisdicionais

Do latim respondere, tomado na significação de responsabilizar-se, "responsabilidade" denota garantir, assegurar, assumir o pagamento do que se obrigou ou do ato que praticou; subsumi-se assim em uma obrigação, ou seja, na satisfação de um prejuízo causado pendente de ressarcimento – do latim resarcire – consistente no pagamento de um dano ou a satisfação de uma obrigação, resultante ou fundada na responsabilidade.

Nesse passo, a forma de responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito público sofreu diversas transformações no decorrer do tempo, passando por fases distintas. No entanto, apesar dos motivos que levaram à queda da teoria da irresponsabilidade do Estado, que prevaleceu na época dos déspotas e absolutistas, ainda hoje existem aqueles que a sustentam, porém, com argumentos calejados (3).

A primeira fase, conhecida como a da irresponsabilidade do Estado, baseada na premissa the king can do no wrong (O Rei nunca erra; o Príncipe sempre tem razão), é caracterizada pela total irresponsabilidade do Estado frente aos danos causados aos particulares no exercício das funções estatais, prevalecendo sua soberania e seu poder incontrastável.

A premissa era de que o Estado era a expressão da Lei e do Direito conquanto não havia como considerá-lo violador da norma jurídica; não se concebia, por conseguinte, a constituição de direitos contra um Estado soberano.

O princípio desta teoria era o de que os agentes do Estado, quando faltavam ao dever ou violavam a lei seriam pessoalmente responsáveis pelo dano, mas jamais o Estado. O particular, desta feita, não ficava totalmente desprotegido porquanto provada a culpa ou o dolo do agente estes responderiam individualmente pelo "dano" causado.

Com o reconhecimento dos direitos dos indivíduos perante o Estado e, com a difusão da idéia de submissão do Estado ao Direito, a teoria da irresponsabilidade foi perdendo eficácia, embora os Estados Unidos da América e a Inglaterra ainda a adotassem, respectivamente, até 1946 e 1947 (4).

A segunda fase, civilista, adota a teoria da responsabilidade subjetiva, baseada no art. 15 do Código Civil de 1916, que dispunha que "as pessoas jurídicas de direito público são civilmente responsáveis por atos dos seus representantes que nessa qualidade causem danos a terceiros, procedendo de modo contrário ao direito ou faltando a dever prescrito por lei, salvo o direito regressivo contra os causadores do dano".

A teoria civilista ou mista era norteada pelas premissas de que os atos de império praticados pelo Estado escapariam ao domínio do direito privado, não sendo, portanto, responsabilizado o Estado por prejuízos causados por seus agentes ao atuarem invocando essa qualidade; os atos de gestão, desde que para praticados pelo Estado, se regeriam pelo direito comum, pelo que haveria a responsabilidade do Poder Estatal todas as vezes que, por culpa do funcionário, fosse ferir direito de alguém; e somente haveria responsabilidade civil do Estado quando, na prática de algum ato lesivo a outrem, ficasse comprovada a culpa do agente que o executou (5).

Ex vi o estabelecido pelo antigo Código Civil, à vítima incumbia o ônus de provar a culpa ou o dolo do funcionário, havendo o Estado, direito de ação regressiva contra este.

‘É exatamente porque, exercendo a função o funcionário age mal, quer faltando ao dever prescrito em lei, quer procedendo de modo contrário ao Direito, que seu ato se torna ilegítimo e induz à responsabilidade do Estado. Se o funcionário agisse, sempre, dentro dos rigorosos limites da representação, jamais vincularia o Estado ao ressarcimento, de acordo com o art. 15 do CC’ (6).

A Constituição Federal de 1946 iniciou a denominada fase publicista, baseada na teoria da culpa administrativa, conhecida pelos franceses como faute du service (falta de serviço), fundamentada na culpa individual do causador do prejuízo, ou na culpa do próprio serviço, denominada culpa anônima (casos de enchentes, por exemplo).

Nesta fase, restava à vítima comprovar a não prestação do serviço ou a sua insuficiência, configurando a culpa do serviço e a conseqüente responsabilidade do Estado, sobrevindo três teorias à imprimir diretrizes ao nexo de causa e resultado: a) teoria do risco administrativo; b) teoria da culpa administrativa e c) teoria do risco integral.

A Constituição Federal hodierna de 1988 adotou a teoria do risco administrativo, fazendo surgir a responsabilidade objetiva do Estado, a partir da qual não importa se o serviço público realizado foi bom ou mal, mas sim, que o dano sofrido pela vítima foi conseqüência do funcionamento do serviço público, importando a relação de causalidade entre o dano causado e o agente.

Tal teoria difere-se da chamada teoria do risco integral, através da qual o Estado seria responsável por qualquer dano causado ao indivíduo, independentemente de ser a culpa exclusiva da vítima, hipótese de caso fortuito ou força maior.

O art. 37, §6º da Constituição Federal regula a matéria determinando que as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado, prestadoras de serviços públicos (concessionárias e permissionárias), responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Observa-se que a responsabilidade de que cuida a Constituição Federal não se confunde com a responsabilidade civil contratual, que deverá ser analisada sob o ângulo dos contratos administrativos.

De acordo com os ensinamentos de José Alfredo de Oliveira Baracho, a responsabilidade patrimonial e extracontratual do Estado, por comportamentos administrativos, origina-se da teoria da responsabilidade pública, com destaque para a conduta ensejadora da obrigação de reparabilidade, por danos causados por ação do Estado, por via de ação ou omissão. O dever público de indenizar depende de certas condições: a correspondência da lesão a um direito da vítima, devendo o evento implicar prejuízo econômico e jurídico, material ou moral (7).

Nota-se, portanto, que a teoria do risco administrativo, configurando a responsabilidade objetiva do Estado, exige a ocorrência do dano, uma ação ou omissão administrativa, o nexo causal entre o dano e a ação ou omissão, e a inexistência de causa excludente da responsabilidade estatal.

"O fundamento de qualquer responsabilidade civil não pode, todavia, ser outro que a exigência de que seja reparado um dano, uma vez demonstrado o nexo causal entre a atividade do agente e esse dano; a qualidade do agente, ou a natureza da atividade lesiva, nada têm a ver, doutrinariamente, com o princípio da responsabilidade civil, e muito menos poderão influir no hodierno Estado de direito" (8).

Interessante observar que o artigo constitucional estabeleceu duas relações de responsabilidade, quais sejam: a do poder público e seus delegados na prestação de serviços públicos perante a vítima do dano, baseada no nexo causal; e a do agente causador do dano, perante a Administração ou empregador, baseada no dolo ou culpa, possibilitando que o Estado exerça seu direito de regresso nos casos de culpa exclusiva de seus funcionários, o que não lhe exime da obrigação indenizatória perante o particular.

Em relação às pessoas jurídicas de direito público interno, conforme disposto no art. 43 do Código Civil (9), na mesma ordem constitucional, estabelece que estas são civilmente responsáveis por atos de seus agentes que, nessa qualidade, causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte deles, culpa ou dolo.

Embora a Constituição Federal declare a responsabilidade objetiva, Celso Antônio Bandeira de Mello, dentre outros, posiciona-se no sentindo de que a responsabilidade será objetiva quando os danos decorrerem de atos comissivos, ou seja, praticados mediante uma ação. No entanto, a responsabilidade é subjetiva quando os danos forem causados por omissão do agente, uma vez que omissão, rigorosamente falando, não é causa de dano, conquanto seja certo que condiciona e irresistivelmente sua ocorrência nos casos em que, se houvesse a ação, o dano seria evitado (10).

Observa-se que tal argumento pode ser sustentado se a palavra "ato" constante do art. 43 do Código Civil for interpretada restritivamente tomando o sentido do verbo "agir" e, portanto, resultando de uma ação e não de uma omissão.

Oswaldo Aranha Bandeira de Mello complementa escrevendo que a responsabilidade do Estado por omissão só pode ocorrer na hipótese de culpa anônima, da organização e funcionamento do serviço, que não funciona ou funciona mal ou com atraso, e atinge os usuários do serviço ou os nele interessados (11).

Luís Wanderley Gazoto também critica a teoria objetiva da responsabilidade estatal, posicionamento por nós não adotado, ponderando que a doutrina pretende, sem analisar corretamente os fundamentos da responsabilidade civil do Estado, ampliar demasiadamente o conceito de erro judiciário, para aplicar as bases da teoria do risco objetivo a todos os atos jurisdicionais. Ressalta o autor que a tese de que a responsabilidade estatal é sempre objetiva deve ser abandonada, sendo excepcionalmente objetiva, fundamentada no risco da atividade e no interesse estatal em sua prática (12).

Em que pese às discussões doutrinárias a respeito da responsabilidade estatal, a Constituição Federal assegura, como direito fundamental, a indenização pelo Estado nas hipóteses de erro na condenação e prisão indevida.

Consoante estabelece o art. 630, do Código de Processo Penal, o Tribunal, se o interessado requerer, poderá reconhecer o direito a justa indenização por prejuízos sofridos, que será liquidada no juízo cível, respondendo a União, no caso da condenação ter sido proferida pela justiça do Distrito Federal ou de Território ou o Estado, se o tiver sido pela respectiva justiça.

No entanto, dispõe mencionado artigo que a indenização não será devida se o erro ou injustiça da condenação proceder de ato ou falta imputável ao próprio impetrante, como a confissão ou a ocultação de prova em seu poder, bem como se acusação houver sido meramente privada.

A irresponsabilidade do Estado por indenização a danos causados em ação penal de iniciativa privada se justificaria pelo fato de que quem promove a persecução penal não é o Estado, mas sim o ofendido, não havendo interesse público na persecução penal. Remanesceria a responsabilidade estatal somente pela prática de atos ilícitos, que não seria objetiva, mas dependente de comprovação de que o dano tenha sido causado por violação de direito ou de omissão de cumprimento de dever, aplicando-se as regras da teoria da faute de service (13).

Entendemos, contudo, que tais argumentos não prevalecem, conforme será demonstrado no decorrer do estudo.

Jurisdição:

Para analisar a responsabilidade dos atos jurisdicionais, nos moldes do art. 37, §6º da Constituição Federal, é necessário, em primeiro lugar, partir do conceito de jurisdição e verificar se esta pode ser considerada um serviço público.

A palavra jurisdição tem origem no latim juris dictio, significa dizer o direito, e integra uma parte do Poder Estatal, representando o poder de aplicar a lei ao caso concreto, bem como aplicar sanções.

Ensina Chiovenda:

‘A jurisdição é exclusivamente uma função do Estado, isto é, uma função da soberania do Estado’ (14).

Observa-se que a jurisdição tem caráter essencialmente substitutivo, visto que o Estado substitui a ação das partes através de seus órgãos jurisdicionais, os quais somente poderão ser ocupados por aquele que estiver investido no cargo por ato legítimo, sob pena de responder pelo crime de responsabilidade criminal, além de causar a nulidade de todos os atos por ele praticados.

A jurisdição é norteada por diversos princípios, quais sejam: investidura, aderência ao território, indeclinabilidade, indelegabilidade, improrrogabilidade, inevitabilidade, nulla poena sine judicio, ne eat iudex ultra petitum, ne procedat iudex ex officio, motivação das decisões, juiz natural imparcialidade e unidade e identidade da função jurisdicional.

Nenhum magistrado pode delegar ou subtrair-se da função jurisdicional que lhe é inerente, a não ser nos casos expressamente permitidos por lei, como no caso de carta precatória. Ademais, a própria jurisdição já tem caráter de delegabilidade, não sendo permitido, portanto, uma subdelegação.

Assim, jurisdição é a função, delegada pelo Estado ao Poder Judiciário, de aplicar as normas de direito objetivo da ordem jurídica em relação a uma pretensão, bem como de tutelar os mandamentos da ordem jurídica. Daí dizer-se que é a causa final específica da atividade do Poder Judiciário (15).

A partir de tais considerações, embora a questão seja deveras divergente entre os doutrinadores, conclui-se que a jurisdição é um serviço público, assim considerado, um dos serviços que o Estado presta à comunidade, nos mais variados setores, para a consecução de seu fim.

Servimo-nos do raciocínio de Aliomar Baleeiro:

"Acho que o Estado tem o dever de manter uma Justiça que funcione tão bem como o serviço de luz, de polícia, de limpeza ou qualquer outro. O serviço da Justiça é, para mim, um serviço público como qualquer outro" (RTJ 64/714; RDA 114/325).

No mesmo sentido, Juary Silva aceita que o Estado, no desempenho da função jurisdicional, desenvolve um serviço público – o que temos por irrecusável e óbvio – depreende-se que o Estado-jurisdição é tão responsável pelos seus atos lesivos, quanto o é, no respeitante aos seus, o Estado-administração. Realmente, todo serviço público implica a idéia de responsabilidade de quem o executa, em qualquer modalidade, em face da jurisdicização da atividade estatal e da submissão do Estado ao Direito, nos moldes do constitucionalismo subseqüente à Revolução Francesa (16).

Desta forma, em sendo a jurisdição um serviço público que visa proteger juridicamente o cidadão, é passível de ser responsabilizada nos moldes constitucionais, pois, a tutela jurídica não é só pelo juiz, mas também, contra o juiz, dado que este tem poderes públicos e é vinculado aos direitos fundamentais, cabendo ao Estado direito de regresso contra o agente responsável que tiver agido com dolo ou culpa (17).

Observa Laspro que, para o juiz responder pelos danos causados à parte, é indispensável a presença de específicos elementos, objetivo e subjetivo. No tocante ao elemento objetivo, deve haver a configuração da ilicitude em razão da ação ou da omissão voluntária do juiz, que constituem o erro judiciário ou o anormal funcionamento da Justiça. Com relação ao aspecto elemento subjetivo, é necessário verificar se tinha o juiz a consciência da ilicitude ou se assumiu o risco (18).

Notório que, em se tratando de atos jurisdicionais, o agente que pratica tal ato é o magistrado (Estado-Juiz), devidamente investido na carreira através de concurso público de provas e títulos, que mantém, guardadas as proporções, um vínculo de emprego, de cunho profissional em relação à Administração Pública. A responsabilidade do Estado por atos jurisdicionais vai além da sentença, abrangendo todos os atos praticados no curso do processo como despachos e decisões interlocutórias.

Interessante expor o raciocínio de Cretella Júnior que observa, com razão, que, pessoalmente, o juiz, num primeiro momento, não é responsável. Nem pode ser. Responsável é o Estado. Estado e juiz formam um todo indissociável. Se o magistrado causa dano ao particular, o Estado indeniza, exercendo depois o direito de regresso contra o causador do dano, sem prejuízo das sanções penais cabíveis no caso. Em caso de dolo e culpa (19).

Cabe ainda salientar que existem divergências na doutrina em relação à jurisdição voluntária e a contenciosa, no que tange à responsabilização. Porém, não é objeto deste trabalho aprofundar difícil discussão, restando-nos, apenas, breve conclusão.

Respeitados todos os entendimentos, ainda aqueles que se posicionam no sentido de que a denominada jurisdição voluntária se equipara a ato administrativo e não de jurisdição, não há dúvidas que a responsabilidade do Estado permanece, independentemente do tipo de jurisdição, uma vez que em ambas as modalidades, ainda é um servidor público que pratica o ato que pode lesar o particular. A espécie de jurisdição é irrelevante para o dever ressarcitório do Estado. Ademais, o Estado não deixa de ser responsável pela prática de atos administrativos.

Na lição de Souza Mendonça, para o lesado, interessa ser inteiramente reparado pelo dano sofrido. Máxime quando o agente é justamente aquele que promete evitar os danos, tanto mais quando provocado pelo órgão responsável pela equalização das relações (20).

O Estado somente não será responsabilizado pela reparação do prejuízo na hipótese do dano ter ocorrido por culpa exclusiva do lesado ou de terceiro (desde que comprovado que o Estado não concorreu, de nenhum modo, para a existência do ato lesivo), ou na ocorrência de caso fortuito e força maior.

Escreve Juary Silva:

"A responsabilidade jurisdicional do Estado, no nosso sistema jurídico, abrange não só as hipóteses de dolo ou fraude (exercício anormal da jurisdição), como também a de erro judiciário, entendendo-se por tal violação da lei, desde que não se trate da aplicação de um conceito indeterminado ou elástico, de decisão de equidade, ou de avaliação da prova; o erro pode referir-se à aplicação da lei material ou da processual. (...) Não há qualquer óbice a que a responsabilidade jurisdicional do Estado abranja todo e qualquer exercício de jurisdição" (21).

Os atos jurisdicionais atingem não somente os integrantes da relação processual a que se destinam, podendo refletir em terceiros estranhos ao processo. Sob o aspecto da responsabilidade do Estado por ato jurisdicional que atinja terceiro e lhe cause prejuízo, a doutrina é divergente.

Sustenta Maria Sylvia Zanella Di Pietro que tratando-se de função jurisdicional, tem-se que excluir, desde logo, os danos decorrentes de atos lícitos praticados pelo Poder Judiciário. Embora a função jurisdicional, no âmbito civil, objetive, em última instância, a consecução da paz social, quando se exerce no caso concreto, ela não beneficia a toda a coletividade (salvo em algumas ações que protegem o interesse coletivo) mas apenas as partes envolvidas. Não há como aplicar a regra da repartição dos encargos sociais; o benefício e o prejuízo alcançam apenas as partes no processo (22).

Com a devida venia, ousamos discordar do entendimento citado, uma vez que parece um tanto quanto injusto excluir de terceiro estranho à relação processual que sofreu um prejuízo causado por ato jurisdicional, seu direito de ressarcimento, ainda que em âmbito civil. Parece-nos que, nesta hipótese, o dano é ainda maior, uma vez que o terceiro sequer fazia parte da relação processual e sofre conseqüências danosas de um ato jurisdicional que, talvez, nem tivesse conhecimento de que poderia ser afetado.

Ademais, a Constituição Federal garante a todos o direito de reparação aos danos patrimoniais ou morais sofridos e a tutela de seus direitos e garantias fundamentais sem distinção, em relação à responsabilidade do Estado por atos jurisdicionais ou de qualquer de seus agentes, se de aspecto civil, penal, trabalhista etc, bem como o direito de todos a peticionar aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder e, ainda, por ordem constitucional, a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.

Porquanto incontroverso que o dano decorrente da atividade judiciária pode atingir não apenas as partes integrantes da relação envolvida, mas também, terceiros, através de algum ato praticado, não se pode negar a estes o direito de reparação apenas por não terem participado da relação processual, ainda que a responsabilidade não seja mais objetiva, ou seja, cumprindo ao terceiro lesado comprovar o nexo de causalidade entre o ato jurisdicional praticado e o dano lhe atingiu.

O Estado ao assegurar o pronunciamento judicial como único meio de estabilizar definitivamente qualquer direito conflitado deve responder pelos prejuízos resultantes da sua má atuação em fazer aplicar tal dogma constitucional. A finalidade da tutela jurisdicional é garantir que o direito objetivo material seja obedecido. Para tanto, estabelece a obrigatoriedade de o juiz cumprir determinados prazos, tomar providências preliminares, proferir sentença etc, constituindo garantia constitucional implícita a prestação apoiada no princípio da legalidade, através do qual o Estado deve suportar a lei que ele próprio fez, sendo inconciliável com o sistema, o fato de não gerar responsabilidade o descumprimento do direito positivado (23).

Daí a ponderação de Mário M. Porto:

"A Magistratura – como toda atividade artística – não é uma profissão que se escolhe, mas uma predestinação que se aceita. Vivemos uma quadra histórica em que a formulação e as aplicações dos ideais de justiça dilargam o cômodo e estreito território das verdades formais, dos juízos apriorísticos, das parêmias afonsinas. O juiz de hoje – patícipe atuante e não testemunho indiferente da evolução sócio-política do seu meio – não é mais um exilado da vida ou álgido locatário de torres de marfim. Apeado do pedestal a que se alçara não para a preservação de virtudes essenciais, mas por exigência de convenções secundárias, passou, hoje, a viver e participar dos conflitos e sofrimentos de seus iguais, para que os sentindo e vivendo pudesse resolvê-los, não como um orago a quem um carisma iluminara, mas como um artista a quem a experiência esclareceu" (24).

Não há, portanto, como negar a responsabilidade civil do Estado perante àquele que sofrer uma agressão ou dano decorrente de atividade jurisdicional, e, conforme assevera Carmem Lúcia Antunes Rocha:

‘o direito à jurisdição é o direito público subjetivo constitucionalmente assegurado ao cidadão de exigir do Estado a prestação daquela atividade. A jurisdição é, então, de uma parte, direito fundamental do cidadão, e, de outra, dever do Estado’ (25).

Responsabilidade pessoal do juiz:

Conforme os ensinamentos de Caio Mário da Silva Pereira, o juiz, na processualística moderna, não é mero espectador de uma contenda entre litigantes. Nem ao menos pode permanecer adstrito a conter os contendores na observância das regras do jogo. O juiz dirige o processo, assegurando a igualdade de tratamento, às partes, procurando rápida solução para o litígio e assegurando a dignidade da justiça. Ao aplicar a lei ao caso concreto deve acertar, mas nem sempre pode, pois humano, está sujeito a errar (26).

Em relação à responsabilidade pessoal do magistrado por ato jurisdicional, importante analisar o art. 133 do Código de Processo Civil (27) que, deve ser analisado à luz da Constituição Federal de 1988, tendo em vista datar de 1973. Aplicado o mandamento constitucional, observa-se que, na hipótese do juiz proceder com dolo ou fraude no exercício de suas ações, a responsabilidade civil recai sobre o Estado que haverá direito de regresso em face de seu agente e, no caso de haver recusa, omissão ou retardamento, sem justo motivo, em providência que deva ser ordenada de ofício, ou a requerimento da parte, a responsabilidade civil será pessoal do juiz, com natureza correicional, ex vi os mandamentos da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (art. 49, Lei Complementar nº 35/79).

De acordo com esta previsão numerus clausus, a obrigação de indenizar é pessoal do magistrado quando tenha agido com dolo (posto que a fraude é uma conduta dolosa) e culpa, sob a modalidade de negligência, ou seja, recusar, omitir ou retardar.

Ensina Rui Stoco que a atitude culposa do juiz ocorre tão logo a parte cumpra o disposto no parágrafo único do art. 133 do Código de Processo Civil, independentemente de ação judicial na qual se verificou a ocorrência ter ou não sido julgada. No entanto, para caracterizar o procedimento doloso ou fraudulento, há necessidade de expresso reconhecimento em ação rescisória (28).

A esse respeito, observa-se que a ação de indenização pode ser impetrada contra o magistrado diretamente, permanecendo a cargo do lesado optar por ingressar com ação contra a Fazenda Pública. Armando Gomes Leandro complementa:

‘Nestes casos, o magistrado poderá responder sempre diretamente perante o lesado. Quando, porém, não derive de prática de crime, a responsabilidade civil, além de só ser admitida nos casos especialmente previstos na lei, só poderá ser efetivada mediante ação de regresso exercida por parte do Estado contra o magistrado’ (29).

Divergindo do posicionamento de Rui Stoco, que sustenta o dever de indenizar do magistrado quando agir com negligência, Nelson Nery Jr. entende que a responsabilidade pessoal do juiz somente ocorrerá se tiver procedido com dolo ou fraude. A culpa no exercício da atividade jurisdicional não acarreta, para o magistrado, o dever de indenizar. O ato jurisdicional danoso, praticado com culpa, embora não enseje ao juízo dever de indenizar, pode acarretar, em tese, esse dever para o poder público (CF, 37, §6º) (30).

A responsabilidade pessoal do juiz, no entanto, não exclui a responsabilidade do Estado, sendo possível que o lesado ingresse com a competente ação contra ambos, solidariamente.

Optando o lesado por demandar contra o Estado, este não estará obrigado a denunciar a lide ao funcionário público no caso deste ter agido com dolo ou culpa, pois, nos dizeres de Yussef Said Cahali, a denunciação do funcionário público implica necessariamente na ‘confissão’ da responsabilidade civil do Estado pela denunciante, na medida em que se resolve no reconhecimento expresso do dolo ou culpa de seu servidor, como fundamento da denúncia; exaurida nesses termos da lide principal, cumpre ao Estado simplesmente adimplir a obrigação ressarcitória, mostrando-se imoral e despropositado pretender servir-se do mesmo processo instaurado pelo ofendido para, inovando a fundamentação da ação, recuperar de terceiro aquilo que já deveria ter pago, na composição do dano sofrido pela vítima; e desde que só este pagamento efetivamente realizado legitima a pretensão fazendária regressiva contra o funcionário culpado, resta-lhe apenas a ação direta de regresso para o reembolso (31).

Importante ressaltar os ensinamentos de Rômulo José Ferreira Nunes:

"Caracteriza a responsabilidade estatal quando, devendo sustar o ato impugnado através de liminar, comprovados os requisitos legais, o juiz deixa de fazê-lo, apesar do impetrante obter provimento final favorável que se evidencia inócuo. Maria Emília Mendes Alcântara (1989, pág. 47) aduz que ‘ao negar a liminar o juiz não se omitiu, tendo ao contrário agido positivamente. E este seu agir pode ser um comportamento lícito ou ilícito’. (...) De igual modo, se, ausentes os requisitos, o juiz conceder a medida indevidamente e resultar em danos para o requerido, realiza-se uma clara demonstração de que o serviço judiciário funcionou defeituosamente" (32).

Na hipótese da responsabilidade voltar-se contra um órgão colegiado e não a um juiz singular, entendemos ser a responsabilidade solidária, em ação de regresso ou não, de todos os membros que votaram no sentido que causou o dano.

Do erro judiciário

Conceito:

Quando se fala em erro judiciário, logo se pensa no erro penal, que abrange, dentre outros, o erro na condenação e o erro na prisão preventiva. No entanto, o erro judiciário pode ocorrer quer no âmbito não penal como, quer no processo civil, trabalhista, eleitoral ou em qualquer outra área de atuação jurisdicional, podendo ser erro in procedendo ou in judicando; pode decorrer de erro, dolo ou culpa (negligência, imprudência ou imperícia).

Assim, o erro judiciário pode ocorrer em outras áreas do direito haja vista os casos de anulação de sentença em ação rescisória, carecendo, a nosso pensar, de inegável direito à indenização por erro judiciário, sobremaneira nos casos em que se verifica que a sentença foi dada por prevaricação, concussão, corrupção do juiz, ou proferida por juiz impedido ou absolutamente incompetente, conforme art. 485, I e II do CPC.

Salienta Duez, a respeito da caracterização do erro judiciário que este pode, com efeito, se produzir fora de qualquer falta de serviço público. É um risco inerente ao funcionamento do serviço de justiça como o acidente de trabalho é um risco da empresa industrial (33).

O erro penal pode abranger outras hipóteses além do erro na condenação, como o erro no recebimento da denúncia, na decretação da prisão cautelar, no arresto e na busca e apreensão.

Entende Gazoto que ao falar-se em erro judiciário, quer se dizer erro do sistema de persecução penal, o qual foi produzido não porque o juiz errou, mas por um conjunto de fatores: porque a polícia apurou mal o delito, o Ministério Público e o juiz descuraram de suas obrigações de descobrir a verdade real etc (34).

Tal posicionamento é complementado pelos dizeres de Juary C. Silva, afirmando que a aplicação judicial ou judiciária da lei abarca por igual a que exercem os serventuários da Justiça, no desempenho das atribuições que lhes são cometidas. Judicial aí está como decorrência de esses serventuários se inserirem na estrutura do Poder Judiciário, não por serem juízes, que não o são, nem por exercerem atribuições peculiares aos juízes. Por uma questão de coerência, não limitamos o Poder Judiciário, visto como um todo, com a natureza de um serviço público, aos juízes, pois, os serventuários, posto não exercendo funções judicantes, atuam por força de lei, e, como não se inserem nem no Executivo nem no Legislativo, só podem pertencer ao Judiciário, ou do contrário teríamos que admitir que eles se situariam à margem de toda a estrutura orgânica do Estado (35).

José de Aguiar Dias, por sua vez, considera o erro judiciário a sentença criminal de condenação injusta, alcançando, também, a prisão preventiva injustificada, excluindo, no entanto, os casos de má-fé, abuso ou desvio de poder do magistrado (36).

Luiz Antonio Soares Hentz entende que o juiz opera com erro sempre que declara o direito a um caso concreto sob falsa percepção dos fatos, quando a decisão ou sentença diverge da realidade ou conflita com os pressupostos da justiça, entre os quais se insere o conhecimento concreto dos fatos sobre os quais incidirá a norma jurídica. Assim, as principais causas do erro judiciário são: o erro ou a ignorância; o erro judiciário decorrente de culpa; a decisão contrária à prova dos autos; o erro provocado não imputável ao julgador; a errada interpretação da lei; o erro judiciário decorrente da aplicação da lei (37).

No entender de Joel Dias Figueira Júnior, dentro da distinção exposta tradicionalmente, o erro judiciário stricto sensu enquadrar-se-ia naquelas figuras descritas no art. 133 do Código Buzaid (procedimento culposo – culpa grave – ou doloso; recusa, omissão ou retardamento sem justo motivo de providências que deveria tomar de ofício ou a requerimento da parte) e naquelas outras do art. 630 do Código de Processo Penal, em sintonia com o estatuído no inc. LXXV da Constituição Federal (direito à indenização pelos prejuízos sofridos decorrentes de sentença condenatória, após a obtenção de decisão judicial determinando a sua cassação – revisão criminal); condenação errada e prisão por tempo superior ao fixado no decisum. De outra parte, o erro judiciário lato sensu estaria enquadrado nas hipóteses de mau funcionamento da máquina administrativa. Seguindo este entendimento, sinteticamente, poderíamos classificar a responsabilidade do Estado por dolo, fraude ou culpa grave do magistrado, ou por culpa (objetiva) do serviço judiciário verificada não por causa do juiz, mas sim, por inércia, negligência ou desordem na manutenção e funcionamento dos serviços judiciais (38).

Não há que se confundir, no entanto, erro judiciário com o erro judicial, vale dizer, erro do juiz.

Temos como erro judiciário a deficiente apreciação das causas por parte do órgão jurisdicional, ou ainda a sua má aplicação, que escoam para uma decisão contrária ao alegado, ou seja, divorciada da verdade material ou contrária à lei.

Derivada do latim error, do verbo errare, tem-se como a falsa concepção acerca de uma pessoa, de uma coisa ou de um fato. É a idéia contrária à verdade, podendo ser o falso tomado como verdadeiro e o verdadeiro como falso. O erro "é o predicado, segundo os escolásticos, do juízo. Como a verdade é a adequação da mete à coisa, ou seja, a conformidade do juízo com a coisa, infere-se que o erro é contrário á verdade".

É, pois, a falsa representação da realidade porquanto se decide acerca daquilo que tem aparência de verdade; do contrário, por estar o entendimento orientado pela verdade demonstrada, jamais seria um erro, senão a precipitação daquilo que falsamente se mostrou verdadeiro.

Stoco sustenta que o erro judiciário é aquele que ocorre nos processos criminais, somente gerando dever de indenizar após seu reconhecimento em ação rescisória, necessitando de prova do dano em ação de conhecimento de via ordinária (39).

Não concordamos, data venia, com os ensinamentos do citado autor, uma vez que tanto o erro judiciário ou o erro judicial podem ocorrer em qualquer ramo do direito quando se utiliza do maquinário do Poder Judiciário, seja em primeira instância ou naquelas superiores, sempre há possibilidade de erro. Desta forma, não se restringe ao campo penal o erro judiciário e, havendo sua ocorrência, principalmente na seara criminal, o dever do autor se resume a comprovar o nexo de causalidade entre o fato e o dano, cumprindo ao Estado a prova de que o dano não existe ou que não concorreu para sua existência.

O Código Penal de 1890 já estabelecia no art. 86, §2º, o dever do Estado de indenizar o erro judiciário: "A sentença de rehabilitação reconhecerá o direito do rehabilitado a uma justa indemnização, que será liquidada em execução, por todos os prejuízos sofridos com a condenação. A Nação, ou o Estado, são responsáveis pela indemnização" (40). Todavia, a indenização não seria devida Estado ou pela União se: 1) "se o erro ou a ianjustiça da condemnação do réo rehabilitado proceder de acto ou falta imputável ao mesmo réo, como a confissão ou a ccultação da prova em seu poder; 2) se o réo não houver exgottado todos os recursos legaes; 3) se a accusação houver sido meramente particular" (41), cabendo, em quaisquer casos, a ação regressiva contra as autoridades e as partes interessadas na condenação (Lei nº. 221, de 20 de novembro de 1894, art. 84, § único).

Ação e omissão

Conforme analisado, a responsabilidade do Estado poderá ser proveniente de duas situações: a) conduta positiva (o agente público é o causador imediato do dano); b) conduta omissiva (o Estado não atua diretamente na produção do evento danoso, porém, tinha o dever de evitá-lo).

Em que pese a Constituição Federal estabelecer a responsabilidade objetiva do Estado, a grande discussão se encontra, como visto, em relação aos atos omissivos, pois, doutrinadores há que entendem que na hipótese de omissão do Estado, a responsabilidade será subjetiva.

Na hipótese do Estado se omitir diante do dever legal de obstar a ocorrência de um dano, a responsabilidade, parece-nos, originar sempre de um ato ilícito, uma vez que havia o dever de agir imposto pela norma ao Estado que, em decorrência da omissão, foi violado. Assim, o Estado não responderá pelo evento que diretamente causou o dano, mas sim, por não ter praticado conduta suficientemente adequada para evitar o prejuízo ou mitigar seu resultado, quando o fato for notório ou perfeitamente previsível (42).

A esse respeito, pondera Celso Antônio Bandeira de Melo, acompanhado de Maria Helena Diniz, Odília Ferreira da Luz, Caio Tácito e Themístocles Brandão Cavalcanti:

‘De fato, na hipótese cogitada, o Estado não é o autor do dano. Em rigor, não se pode dizer que o causou. Sua omissão ou deficiência haveria sido condição do dano, e não causa. Causa é o fato que positivamente gera um resultado. Condição é o evento que não ocorreu, mas que, se houvera ocorrido, teria impedido o resultado’ (43).

Adeptos à aplicação da responsabilidade objetiva nas hipóteses de condutas estatais omissivas, encontram-se Toshio Mukai e José de Aguiar Dias, sustentando, este último que:

‘Só é causa aquele fato a que o dano se liga com força de necessidade. Se, numa sucessão de fatos, mesmo culposos, apenas um, podendo evitar a conseqüência danosa, interveio e correspondeu ao resultado, só ele é causa, construção que exclui a polêmica sobre a mais apropriada adjetivação. Se, ao contrário, todos ou alguns contribuíram para o evento, que não ocorreria, se não houvesse a conjugação deles, esses devem ser considerados causas concorrentes ou concausas’ (44).

De acordo com o entendimento majoritário da doutrina e jurisprudência, apoiado em Odete Medauar, Celso Ribeiro Bastos, Hely Lopes Meirelles, Weida Zancaner Brunini e Yussef Said Cahali, a responsabilidade estatal será sempre, ainda que por conduta omissiva, objetiva, pois, como nem sempre é possível identificar o agente causador do dano, nem demonstrar o dolo ou a culpa, melhor se asseguram os direitos da vítima através da aplicação da responsabilidade objetiva do Estado. A prevalência da teoria subjetiva existe, tão somente, na relação entre o Estado e seu funcionário (45).

Há que se levar em conta, inclusive, o disposto no art. 13 combinado com o art. 3º, ambos do Código de Defesa do Consumidor, que estabelecem que o Estado é fornecedor de serviço público e, portanto, sua responsabilidade é objetiva por danos decorrentes da falta do serviço, o que inclui, por óbvio, as condutas omissivas.

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Esta matéria consta do site seguinte:

http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5642

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